Maquetes de êxitos por encomendar
Texto: ANDRÉ LOPES
Pertenceu aos Zero 7 e, na verdade, o seu primeiro disco a solo data de 1997, porém Sia só conseguiu dirigir atenções na sua direção quando o single Breath Me (2004) se fez ouvir no último episódio de Sete Palmos de Terra. A artista manteve uma carreira a solo de sucesso discreto até 2010, ocasião pela qual deu início a uma nova fase no seu trajeto criativo: exacerbada com as vicissitudes da fama e com a vida de estrada, Sia deixou-se fascinar pela composição de canções para outras vozes. Christina Aguilera, Britney Spears, Ne-Yo, Rita Ora ou Jessie J são exemplos de nomes que contaram com as funções de Sia enquanto produtora e compositora. Em 1000 Forms of Fear (2014) reencontra a confiança para reanimar a sua carreira a solo, que em muito beneficiou do sucesso de Chandelier e Elastic Heart – dois singles em tudo representativos das propostas de Sia para a continua modelagem daquilo que constitui um êxito comercial nos dias que correm. Letras sobre o alcançar de objetivos, o empoderamento via transcendência pessoal e suas variantes, juntam-se a uma prestação vocal imediatamente reconhecível. Quer pelo timbre, como pela flexibilidade com que a artista não teme aventurar-se por subidas de tom, em igual medida acrobáticas e estimulantes.
This is Acting não é particularmente exploratório, até porque a sua principal premissa é à partida restritiva: escuta-se um conjunto de canções da autoria de Sia, onde cada uma delas terá sido pensada para nomes como Beyoncé, Adele, Rihanna e Kanye West, mas que por motivos diversos acabaram rejeitadas pelos seus destinatários. Precisamente como uma performance, This is Acting é um artifício postiço que nos mostra uma figura a reapropriar-se daquilo que é seu por direito.
Congruentemente com o facto de as faixas terem sido escritas com outras vozes em mente, o álbum testemunha a polivalência da sua autora. Mas com um custo: se Bird Set Free, One Million Bullets e Space Between servem quase de guia passo-a-passo para a escrita de canções que partem de motivos funestos até alcançarem refrães triunfais, Move Your Body é um delírio que funde noções de eurodance com ritmos quase jungle. Minutos depois, chega o exercício de dancehall que é Cheap Thrills, e mais tarde o desvario de teclados durante os versos de Sweet Design.
A coesão não é de facto o principal apanágio de This is Acting, ainda assim importará refletir sobre o valor de uma peça que muitos outros artistas jamais assumiriam: Sia retorna aqui a memórias, mais precisamente às ideias que considerou inicialmente não se adequarem à sua personalidade artística, mas que ainda assim são ostentadas com uma energia e prestação que exige reação de quem escuta. O alpinismo de tom que preenche os refrães de Alive é absurdamente inimitável, mas isso não se revelou entrave suficiente para que não se tornasse um single de sucesso maior. Mais do que alguém que reconhecemos de colaborações com os mais diversos artistas, é imprescindível ter presente que quando pensamos na obra de Sia pensamos em produtos mais ou menos concretos, com destinatário mais ou menos definido à partida. Em última análise, uma audição atenta dos mesmos ajuda a entender o porquê de a autoria da artista ser algo tão requisitado. Toda a sensibilidade necessária para pensar os instrumentos, a dicção e o timbre são traçados com um propósito consideravelmente evidente (e que se cumpre): o de garantir que uma canção consegue sobressair e – enquanto isso – tornar-se massivamente apelativa.
This is Acting não é uma vitória – a incoerência dos vários estilos abordados cimenta, a cada faixa que ouvimos, a sensação de que todo o disco tem um propósito de mostruário de capacidades e habilidades de composição. Felizmente, grande parte das melodias foram graciosamente pensadas para que haja algo aprazível a quase todos nós ao longo do álbum.
Sia
“This is Acting”
Sony Music
★★★

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