“Victorialand”, dos Cocteau Twins, faz hoje 30 anos
Texto: DANIEL BARRADAS
Em 1986, longe da pop e do rock que preenchiam as rádios e as TVs, Ivo Watts Russell, o mentor da editora 4AD, dirigia o segundo album do colectivo This Mortal Coil. Era um projecto de colaborações e versões, que Russel via como o cristalizar dos sons e ideais da 4AD. O álbum chamava-se Filigree and Shadow e essas duas palavras, filigrana e sombra, tornar-se-iam clichés para descrever o som que a editora promovia nessa altura. A filigrana aplicava-se aos luminosos arabescos vocais de Elisabeth Fraser dos Cocteau Twins e a sombra sobrava para os Dead can Dance que funcionavam como um reverso da medalha.
Fraser colaborara no primeiro álbum dos This Mortal Coil (em 1983) e dera voz à versão de Song to the siren de Tim Buckley que acabaria por se tornar mais famosa que o original e estandarte eterno do “som 4AD”. No entanto, não ficara satisfeita com as sessões de gravação desse álbum e talvez por isso, em 1986 ficou de fora dos This Mortal Coil, tal como o seu marido Robin Guthrie. Mas o terceiro elemento dos Cocteau Twins, o baixista/multi instrumentista Simon Raymond, foi “recrutado” para as sessões de gravação de Filigree and Shadow e durante a sua ausência, o casal Fraser/Guthrie acabaria por gravar o álbum Victorialand.
Podemos talvez olhar para 1982-86 como o período formativo dos Cocteau Twins. A banda começou com um som quase punk, influenciado pelos Sex Pistols e Siouxie and the Banshees mas chegados a 1986, desaguavam calmamente nos terrenos da música ambiental. A banda fora incansável e extremamente produtiva na sua busca de identidade própria e Ivo Watts Russel assumia-se como mentor/motor. Foi ele quem incitou Fraser a explorar mais a sonoridade das palavras do que o seu significado e quem estava sempre pronto a editar EPs entre os álbuns. Nesta fase da carreira da banda, raramente passavam mais de seis meses entre edições.
Em Victorialand os Cocteau Twins chegam ao seu momento mais etéreo e, de certo modo, terminam a exploração do seu espectro musical. Ainda em 1986, os três elementos do grupo juntar-se-iam a Harold Budd para criar o álbum The moon and the melodies que, não sendo um disco oficial dos Cocteau Twins, acabaria por soar como uma extensão de Victorialand (que só dura uns curtos 32 minutos). Mas quando regressam em 1988 com o álbum Blue Bell Knoll são já uma banda em verdadeira posse do que seria a sua total identidade, fazendo bom uso dos frutos dos anos de exploração e aplicando-os criativamente dentro do formato canção.
A leveza do som de Victorialand deve-se em parte à ausência da guitarra baixo de Raymond. Ao mesmo tempo, Fraser liberta-se completamente de qualquer resquício de letras, explorando ao máximo as suas onomatopeias. Guthrie dedica-se mais ao dedilhar hipnótico de guitarras do que ao nevoeiro de distorção que usara anteriormente. E como convidado, aparece o som do saxofone de Richard Thomas, um elemento dos Dif Juz, outra banda da 4AD.
Embora o resultado seja indescritivelmente belo, este é talvez o mais discreto e um dos menos celebrados álbuns dos Cocteau Twins. No entanto a sua influência foi imensa, não só para própria banda como para outras. Refira-se como exemplo a remistura feita pelos Massive Attack de The thinner the air, a faixa que encerra o álbum, nunca editada mas que circula pela internet com a história de que foi uma carta de intenções apresentada a Fraser quando a convidaram para participar no álbum Mezzanine.
Victorialand é um álbum clássico porque resistirá sempre ao tempo que por ele passar. Para quem ainda não descobriu estas arejadas melodias inspiradas pela paisagem da Antártida, é tempo de lhes fazer a primeira de muitas e recorrentes visitas.

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