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Cores frias para uma voz quente

Texto: NUNO GALOPIM

O terceiro álbum de James Blake confirma não apenas a afirmação de uma assinatura vocal única como reafirma uma composição e uma produção que lhe sabem conferir espaço para respirar.

Perante a verdadeira “barrigada” de edições dos últimos dias o que faz falta é tempo para tudo digerir convenientemente. E entre novos lançamentos, uns mais inesperados, outros nem por isso, de Beyoncé, Radiohead ou Anohny, o terceiro álbum de James Blake é outro caso sério a pedir atenção. Longo, talvez demasiado longo (e o “regresso” do modelo de duração do LP em vinil não fecha a porta aos álbuns duplos, pelo que a fronteira dos 40 minutos não é estanque), o disco acabou por ter outro título que não o inicialmente apontado e por não contar com a esperada colaboração de Kanye West. Mas confirma não só James Blake como uma figura de presença com grande solidez no mapa dos acontecimentos do nosso tempo, não só reafirmando as suas (já reconhecidas) capacidades de afirmação de uma assinatura muito pessoal como intérprete vocal, mas sublinhando os dotes de um compositor que merece habitar já um panteão de referências maiores, que ele mesmo certamente partilha na sua paleta de gostos, como o são Arthur Russell ou Joni Mitchell.

O berço em terreno dubstep em que o encontrávamos há alguns anos tem gerado descendências que James Blake tem feito divergir para uma obra em paralelo feita no formato de máxi single, o seu percurso entre álbuns tendo sido progressivamente apontado a caminhos de uma progressiva depuração de formas e a uma exploração não só do silêncio e suas periferias (que trabalha como ninguém) como a uma escrita que é mais feita de sugestões do que narrativas de nitidez maior mas que, no quadro cénico (e vocal) em que apresenta as canções deixa cara a profunda melancolia e fragilidade com que aqui nos confronta. E nunca nos deu a ouvir um disco tão profundamente desencantado como o faz, agora, entre as 17 canções de The Colour of Anything. De resto, a aguada em tons sombrios que desenha a capa não podia ser melhor expressão da música que se ouve lá dentro.

Se Kanye West não compareceu à chamada (por razões ainda não reveladas), James Blake contou contudo aqui com a parceria pontual na escrita de Justin Vernon (ou seja, Bon Iver) e Frank Ocean, assim como a visão de Rick Rubin na cadeira de produção. O disco nasce de uma evolução direta dos acontecimentos registados nos dois anteriores, se bem que, mais do que nunca, desvia as atenções da arquitetura rítmica para um pensar da canção como um diálogo entre a voz (e o que canta) e uma cenografia que se desenha, discretamente, ao seu redor. E se a voz é hoje a peça mais central na afirmação da carga dramática que aqui se expressa, a instrumentação procura sobretudo conferir-lhe uma noção de espaço que valoriza o quadro emotivo. Minimalismo por oposição a uma ideia de música cheia de acontecimentos. Mas que não esquece o poder hipnótico das batidas (mesmo se discretas), como se escuta no magnífico I Hope My Life – 1-800 Mix, uma das faixas mais afastadas do coração central dos acontecimentos do disco mas, afinal, magnificamente integrada no corpo do álbum pela forma como a composição e a produção souberam aqui, uma vez mais, afirmar uma valorização da noção de espaço na música. E, mesmo não sendo The Colour in Anything um disco tão esteticamente inovador como o foi o álbum de estreia do músico, nesse departamento, James Blake continua na linha da frente dos acontecimentos.

James Blake
“The Colour in Anything”
Polydor / Universal
★★★★

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