A viagem de ida e volta que o mundo acompanhou em 1981
Texto: NUNO GALOPIM
O receio de que um acidente durante a reentrada da nave pudesse colocar um fim trágico à primeira missão tripulada do vaivém Columbia foi tranquilizado quando, através de uma rede de satélites militares (dos quais na verdade muitos na Nasa quase nada sabiam), fotografias de alta resolução mostraram aquilo que nem os próprios astronautas a bordo da nave podiam ver: a cobertura dos “tijolos” destinada a fazer o escudo protetor na etapa final da viagem, naquele mergulho pela atmosfera que gera temperaturas altíssimas nos pontos de fricção entre a nave em alta velocidade e as partículas do ar, tinha de facto algumas peças em falta mas não em lugares alarmantes. E mesmo tendo depois os ângulos de aproximação à pista número 23 da Base Aérea de Edwards, na Califórnia, não correspondido exatamente ao esperado, a aterragem da grande nave valeu mesmo ao comandante John Young o comentário que havia sido a mais suave que alguma vez havia experimentado. E assim, o primeiro voo de uma nova nave, que descolara precisamente no dia sobre a passagem de 20 anos sobre a primeira ida do homem ao espaço (do outro lado da Cortina de Ferro, com Yuri Gagarin), dava ao programa Space Shuttle um arranque bem mais feliz do que aquele que conhecera a primeira missão Apollo, cujo desfecho trágico não estava contudo esquecido.
Passam há algumas semanas os 35 anos sobre a missão batizada como STS-1 que, apesar do teste de aterragem com o protótipo que recebera o nome de Enterprise, representava o primeiro lançamento de facto de uma nova nave. Ao contrário de outros programas, não haveria desta vez missões não tripuladas. A bordo partiam dois homens, um deles John Young, o astronauta então mais experiente da Nasa, com dois voos no programa Gemini e dois no Apollo (caminhara sobre a Lua na Apollo 16), somando mais tarde, em 1983, um segundo voo no Columbia. A seu lado, no cockpit do vaivém seguia Robert Crippen, um antigo oficial da marinha que tinha estado ligado ao projeto militar (abortado) do Manned Orbiting Laboratory, trabalhara nas equipas de solo das missões Skylab e Apollo Soyuz e que, além deste voo inaugural do Columbia, juntaria ao seu currículo três outros a bordo Challenger.

Crippen e Young no cockpit da Columbia
Into the Black, de Rowland White, é um volumoso (são 436 páginas!) retrato dessa missão inaugural do Space Shuttle, em abril de 1981, num relato que não só acompanha toda a génese deste programa da Nasa como evoca outros que o precederam, juntando ainda retratos detalhados dos seus protagonistas. Recorda-se, por exemplo, que John Young cresceu obcecado pelos grandes heróis da aviação, como Lindbergh ou Rickenbacker e que Crippen, ao executar a primeira aterragem noturna num porta-aviões sentiu que, depois desse desafio, seria capaz de fazer tudo. Como tantos outros pilotos militares da sua geração, acabaram recrutados por programas da Nasa.
Da história do programa especial são lembrados, com detalhe, episódios de lutas contra o tempo, dos desafios de engenharia e dos corredores das decisões. E aquele momento em que, perante uma chuva de cartas de fãs de Star Trek, o protótipo Constelation acabou rebatizado como Enterprise uma semana antes de sair pela primeira vez do hangar para exposição pública, sob decisão do próprio presidente norte-americano. Algum tempo depois, largado do dorso de um Boeing 747, o protótipo cumpriu o equivalente ao percurso final de um voo, aterrando numa pista de aviação junto da qual estava uma multidão de convidados, entre os quais alguns atores de Star Trek.

Os atores de Star Trek e o dia de glória de uma outra Enterprise
A cultura pop cruza-se ainda com a história que aqui é contada quando se recorda como em 1979, o filme Moonraker, da série 007 (com Roger Moore como James Bond) acompanhava o “momento” do entusiasmo gerado pelo desenvolvimento do programa do vaivém espacial ao incluir um shuttle, algo diferente do que a Nasa estava desenvolver, como peça central na aventura do agente secreto que mais traduziu o entusiasmo que o impacte de Star Wars tinha causado dois anos antes.
Into the Black segue contudo, e com um detalhe considerável, o desenvolvimento do projeto técnico e o avanço, em paralelo, do trabalho de preparação dos astronautas. E assim, desde uma génese que herdou muito de um programa de espionagem abortado e o sucesso claro de um primeiro voo que o mundo inteiro acompanhou pela televisão, este livro junta à história da literatura de divulgação sobre astronáutica mais um título de referência.
“Into the Black”, de Rowland White, é uma edição hardback da Bantam Press.




Excelente postagem!
Quando criança acompanhei o lançamento e o pouso da Columbia.
Foi emocionante vê-la tocando a pista da base aérea de Edwards.
Abraços.
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