Motivos de beleza
Texto: NUNO CARVALHO
Com os media dominados pela aridez do “economês”, um filme como A Academia das Musas, do catalão José Luis Guerín, é um verdadeiro refrigério e um saudável antídoto contra o ramerrame mediático, somente interessado na espuma dos dias, e nem sequer numa espuma fresca, mas apenas numa rebentação deletéria, como se o mar estivesse tão inquinado que já não fosse possível em lugar nenhum tomar um banho que não nos atacasse a pele.
Ora, este filme cujas fronteiras entre a ficção e o documentário são quase impercetíveis cria toda uma ambiência que respira cultura, poesia, literatura, história, filosofia e outras matérias estimulantes, num registo old school e saudavelmente anacrónico que celebra o encanto e o poder das humanidades, uma área bastante nobre e interessante mas cada vez mais arredada das atenções.
Apresentado, nos créditos iniciais, como uma experiência pedagógica do professor Raffaele Pinto, A Academia das Musas centra-se na relação de um professor de filologia com as suas alunas/musas, com quem discute literatura e poesia e o papel do amor e do desejo como catalisadores da inspiração lírica. Como foi notado por vários comentadores, este professor catedrático assume quase o papel de um psicanalista e sábio conselheiro para as questões sentimentais que as suas alunas lhe vão pondo através das discussões literárias e filosóficas que com elas vai tendo. O mais interessante neste filme em que as imagens estão adestradas a uma longa digressão discursiva é que a sua força motriz são as palavras e uma estimulante dialética académica (neste caso não é a câmara-caneta, mas talvez qualquer coisa como o cinema-aula). O resultado é uma ficção documental protagonizada por não atores, sem guião prévio, e com um método não diretivo, como uma grande sessão de psicanálise em que não há um plano para cumprir nem uma espartilhante obrigação programática.
A Academia das Musas
De José Luis Guerín
Com Rosa Delor, Emanuela Forgetta, Patricia Gil, Raffaele Pinto
Leopardo Filmes

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