Quando a imaginação desceu em Marte
Texto: NUNO GALOPIM
Originalmente publicadas em 1950, as Crónicas Marcianas de Ray Bradbury (1920-2012) são, mais que um romance de ficção científica, uma colecção de contos que, em conjunto, traçam uma narrativa cronologicamente ordenada e com um espaço em comum: o planeta Marte. Seguindo o modelo frequentemente citado junto dos leitores de ficção científica como “future history”, e tomando como principal fonte de inspiração o magnífico Winesburg, Ohio, de Sherwood Anderson, as Crónicas Marcianas contam a história de uma lento, longo e atribulado processo de colonização do planeta vermelho por seres humanos. As visões marcianas são diferentes de conto para conto, uns mais com sabor a aventura, outros a enigma, alguns mesmo ensaiando um humor com travo nonsense (como é o caso de Os Homens da Terra), fugindo aos cânones habituais na ficção científica.
Em grandes traços, as histórias acabam inevitavelmente a refletir sobre as relações que se desenham entre os colonizadores e os povos autóctones marcianos, o impacte da chegada dos forasteiros a um novo mundo e o modo como eventualmente o moldam depois à sua imagem (aqui aproveitando o autor para lançar sugestivos olhares sobre o homem e o seu habitat natural, a Terra). O processo acontece com inesperadas surpresas e revelações pelo caminho, num quadro de acontecimentos cronologicamente ordenado entre 1999 e 2057. É no final do derradeiro capítulo que, perante a sua imagem refletida num lago, uma família humana olha para si mesma, reparando que são eles agora os marcianos.
Apesar de não se considerar um autor de um género específico, Ray Bardbury assinou vários romances, contos e argumentos de ficção científica, entre os quais o fundamental Farenheit 451 (de 1951), romance que seria levado ao grande ecrã por François Truffaut. A sua história literária caminhou contudo frequentemente perto dos domínios da ficção científica, datando de 1938 o seu primeiro conto do género.
As Crónicas Marcianas, habitualmente apontadas como a sua obra-prima, representam uma das maus imaginativas entre as muitas ficções traçadas com o planeta Marte por cenário.
O livro conheceu uma adaptação televisiva na alvorada dos anos 80, numa série que alterou signitifativamente a estrutura narrativa, mantendo contudo viva a essência de alguns dos contos. Como protagonista a série contava com a figura de Rock Hudson, que deu vida a uma personagem que acompanha toda a trama, algo que não sucede no registo fragmentário do livro de Bradbury. Entre as adaptações deste texto vale a pena lembrar também uma versão em disco spoken word, gravada por Leonard Nimoy.

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