Para olhar além do mais-do-mesmo que domina o mapa indie atual
Texto: NUNO GALOPIM
Em 2008 o álbum Heavy Ghost colocava-nos perante mais um exemplo daquele mundo de possibilidades que se abre quando um músico partilha escolas e ousa olhar mais longe. DM Stith (David Michael, são os nomes a que correspondem as duas iniciais) mostrava-se então como mais um músico nascido em escola “clássica” (filho de pai maestro, de mãe pianista, neto de avô professor de música e com irmãs que cantam ópera), entretanto “seduzido” pelos caminhos da cultura pop(ular). Começou por ter uma banda de noise. Mais tarde, já em Nova Iorque, foi desafiado por Shara Worden (My Brightest Diamond) para criar as suas canções. Foram surgindo, aos poucos. Ganhando corpo e vida, materializando-se então nesse magnífico primeiro álbum, que então surgia como um disco capaz de assimilar e projetar novas ideias depois do magistral Illinois, de Sufjan Stevens. Esse era um álbum onde tanto as melodias como as texturas se mostravam como coprotagonistas de um corpo comum, feito de uma música a que poderíamos chamar “pop de câmara”, com janelas que tanto se abriam para o cheiro vivo da terra com alma folk, como revelavam vistas largas sobre os universos de uma música que se não fecha em compartimentos e olha o todo, da tradição da canção popular até aos domínios da música contemporânea.
Não espantou que Sufjan Stevens apadrinhasse o maestro desta orquestra de acontecimentos e o levasse quer para a editora onde ele mesmo trilha a sua obra convidando-o, mais adiante, a juntar-se ao seu palco durante a digressão que se seguiu ao lançamento de The Age of Adz.
DM Stith respondeu aos desafios, editou em 2009 um novo EP e, salvo um flexi disc revelado em 2014 (com o tema War Machine, que agora encontramos neste novo álbum), fez um silêncio discográfico de quase sete anos… Longo. Demasiado longo. E, agora, Pigeonheart mostra que a pausa foi mesmo excessiva…
Tal como sucedera em Heavy Ghost, o novo álbum é um disco que não esconde como a busca das formas segue uma noção perfecionista de rigor racional do esteta, uma característica nem sempre apreciada em terreno onde muitas vezes a emoção dita as regras. Num regime de evidente evolução na continuidade face a esses episódios anteriores – mostrando sobretudo sinais de investimento no labor com filigranas de electrónicas que ajudam a tecer as cenografias – DM Stith mostra como a sua composição assenta essencialmente numa relação direta com os sons, deixando sobretudo à voz o papel de estabelecer a dimensão dramática e emocional que sugere depois a comunicação com quem escuta.
Nas raízes das ideias estão ainda as visões elaboradas que conhecemos, além de Sujfan Stevens (entre Illinois e Age of Adz), nos discos de nomes como os Grizzly Bear ou Son Lux, partindo das plataformas de referências indie em busca de visões enriquecidas por uma cultura musical mais vasta (que contempla a música clássica) e um gosto evidente pela exploração do espaço em volta da canção. A extensão demasiado longa do hiato é, no fim, a única peça que fala contra o que poderia ser um episódio tão arrebatador quanto o fora o disco de estreia. É que, optando por um espaço de evolução, DM Stith não podia dar um passo maior do que a perna. E este, sete anos depois, sabe muito bem. Mas sabe a relativamente a pouco… O que seria se, pelo intervalo, tivesse criado mais um, dois ou três discos? Onde estaria já a sua música?… Os ritmos com intervalo longo com que os músicos trabalham hoje em dia não ajudam as lógicas de transformação nas carreiras como, outrora, o faziam as que lançavam um álbum a cada ano… E basta lembrar carreiras dos setentas, de Bowie e Pink Floyd aos Roxy Music, para ficar claro aquilo de que se está aqui a falar. Mesmo assim, e sem mudar muitos ingredientes, ideias e soluções, DM Stith tem aqui um disco que ofusca a esmagadora maioria da pradaria indie, que anda a mastigar mais do mesmo (e cada vez menos estimulante) há já algum tempo.
DM Stith
“Pigeonheart”
Joyful Noise Recordings
★★★★


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