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Cosmologia, ou a arte de ver o passado e o futuro ao mesmo tempo.

Texto: JOÃO FERNANDES

Quanto mais longe chega o nosso olhar na vastidão do Universo, mais no passado ele recua e detalhes cada vez mais ínfimos dos constituintes da matéria se revelam. Olhando para o começo de tudo e para a fundamental natureza das coisas, tentamos sempre saber para onde vamos: é esta a história que nos conta Jorge Dias de Deus.

Em 2015 anunciava-se a possível deteção no acelerador de partículas LHC do CERN em Genebra, Suíça, de uma partícula anteriormente desconhecida e que não encaixava de forma clara em nenhuma teoria da física fundamental de partículas conhecida. A confirmar-se a descoberta, seria o primeiro passo de uma nova etapa da física fundamental para lá do Modelo Padrão (Beyond the Standard Model), pelo que se gerou compreensível comoção na comunidade científica, resultando numa enchente de artigos propondo diferentes possíveis explicações teóricas para o sinal observado, cada uma tentando desenhar os contornos de fenómenos nunca antes vistos.

Contudo aconselha-se sempre precaução, sobriedade e cepticismo – “extraordinary claims require extraordinary evidence” (afirmações extraordinárias exigem provas extraordinárias), que no fim se justificou com a chegada de novos dados que poderiam confirmar a descoberta ou a torná-la em mais uma não-notícia. Em 2016, os novos dados do LHC mostraram que o sinal da partícula desconhecida se havia evaporado, como um fantasma troçando o intelecto humano. Aquela que seria o maior feito cientifico do LHC desde a observação do bosão de Higgs revelou-se afinal uma enorme coincidência estatística.

Na ressaca que se seguiu, uma das vozes que se fez ouvir através do seu blog foi a de Sabine Hossenfelder, física especialista em gravidade quântica, num post intitulado “O ‘cenário pesadelo’ do LHC tornou-se realidade”. O título alude ao temor, nunca falado em voz alta, de que a era dos aceleradores de partículas possa ter chegado ao fim. Entre as partículas fundamentais que são atualmente conhecidas e as que ainda não o são está um vasto deserto que as separa por várias ordens de grandeza de energia. Na prática, implica que, para as observar em laboratório, seja construido um acelerador com tamanho e necessidades energéticas muito superiores aos que o poder político e o publico em geral estariam dispostos a dispensar, tendo em conta o custo da construção.

Hossenfelder, como especialista em fenómenos gravíticos, propõe que a pesquisa em física fundamental se vire de novo para os céus escuros, para a observação de objetos astronómicos e para os estudos cosmológicos do princípio do Universo.

No último terço do seu livro Ciência Cosmológica, Jorge Dias de Deus apresenta uma perspetiva semelhante. Partindo da confirmação da existência do bosão de Higgs no LHC, os últimos capítulos passam em revista os mais recentes acontecimentos na cosmologia como a não-observação de ondas gravitacionais primordiais pelo observatório BICEP ou a observação de ondas gravitacionais pelo observatório LIGO, dando destaque a contribuições de cientistas portugueses, como Marina Cortês, que teve mérito na investigação de teorias de gravitação, e David Sobral, astrofísico que teve o mérito de liderar a investigação sobre galáxias mortas em busca de sinais de matéria escura.

Termina assim, com uma descrição da paisagem desconhecida e ainda fora da nossa compreensão, a viagem pela história do conhecimento humano sobre o Universo em que nos leva Jorge Dias de Deus, professor catedrático do departamento de Física do Instituto Superior Técnico, Lisboa, investigador especialista em astrofísica no CENTRA(centro de investigação dedicado a astrofísica e cosmologia sediado também em Lisboa), e autor de outros livros de divulgação publicados pela Gradiva, que também publica este mais recente texto, e outros de carácter mais técnico, como Introdução à Física, de que foi co-autor, e está hoje na 3ª edição pela Escolar Editora, ainda conhecido por alguns pelo nome de “livro azul”, em referência à cor da capa da 2ª edição.


A biblioteca de Alexandria

A primeira parte do livro, compreendendo os dois primeiros terços, é uma muito breve história do conhecimento científico sobre os objetos celestes e sobre o Universo como um todo, começando pelos primeiros pensadores gregos. Tales de Mileto, as escolas dos Pitagóricos e dos Atomistas, os filósofos de Atenas, entre os quais Platão, e por fim os filósofos e cientistas do período helenístico, Euclides, Ptolomeu, entre outros, que concentraram o seu saber coletivo na grande biblioteca de Alexandria, entre muitos, muitos outros são mencionados, mesmo de que forma breve, mas suficientemente informativa para enquadrá-los no contexto do nascimento e crescimento natural das ideias. Segue-se então, pelo percurso cronológico, um capítulo dedicado ao domínio romano, outro ao ressurgimento do pensamento científico no final da idade Média, culminando com os avanços técnicos na astronomia durante a época das descobertas marítimas e com o início da era moderna e a fundação da ciência física por Copérnico, Descartes, Galileu, Newton, Kepler, Huygens, Hooke, entre outros.

Por fim, o fio da história torna-se mais fino, virando-se a atenção para a descoberta de novos planetas no sistema solar, e de outros factos fundamentais da ciência, como a velocidade finita de propagação da luz, que explica a escuridão do céu noturno e o nascimento da astrofísica quando se começa a estudar os espectros da luz de estrelas distantes, dando as primeiras indicações do que serão realmente feitas. Daí para a visão do Universo como o vemos hoje vai um pequeno grande salto, e passamos a saber o que alimenta o fogo das estrelas (reações nucleares), o que acontece quando estrelas morrem (por vezes originam buracos negros), como se formam as galáxias e sistemas planetários das nuvens de gás espalhadas pelo cosmos, e como nasceu o próprio Universo de um evento singular a que se deu o nome de Big Bang.

Como pode um livro tão pequeno (186 páginas) querer conter uma história tão longa e rica? É sem dúvida um projeto ambicioso a que se atirou o autor, como o próprio explica nas suas primeiras páginas, em homenagem à obra do historiador da ciência Stephen F. Mason. O autor admite também as possíveis falhas na concretização do seu projeto, mas sou da opinião que sendo um pequeno livro encantador e extremamente concentrado, me é permitido desculpá-las

“Ciência Cosmológica”
Autor: Jorge Dias de Deus
186 págs., Gradiva

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