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“Graffiti Bridge”: um filme e um álbum em tempo de transição

Texto: NUNO GALOPIM

Apenas com três canções realmente novas, o projeto de novo filme e respetiva banda sonora serve de ponte entre os oitentas e os noventas na obra de Prince.

O sucesso do disco criado para juntar as canções gravadas para o Batman de Tim Burton (umas tendo sido usadas, outras nem por isso) garantiu a Prince a porta aberta para concretizar um projeto em que trabalhava há já algum tempo e que, de certa forma, estabelecer uma ponte direta com a memória de Purple Rain. E porquê? Porque envolvia um filme que teve ligações evidentes para com esse outro, que fora até aqui o seu único sucesso no cinema. E, tal como nesses dias, seria acompanhado por um álbum com canções apontadas a vários destinos e herdeiras de várias tradições. Contudo, Graffiti Bridge não foi de todo um Purple Rain 2.0…

O projeto do filme foi desde logo espaço de materialização de um tempo de intensas transformações no mundo em volta de Prince, refletindo a série de deserções que foram acontecendo na reta final dos anos 80 e que, entre outras consequências, ditaram o fim dos Revolution, a banda com a qual Prince tinha gravado os seus melhores discos. Originalmente pensado como um projeto centrado nos The Time (com Morris Day a ser, além de Prince, outra das figuras “repetentes” face a Purple Rain), o filme foi-se adaptando ao cenário em mutação. É por esta altura que entra em cena Ingrid Chavez, que em breve editaria um (belíssimo) disco pela Paisley Park, assumindo um papel de protagonismo num elenco onde figuravam também nomes como os veteranos George Clinton e Mavis Staples (com quem Prince tentava uma reativação da carreira) e o jovem Tevin Campbell.

Se o filme, passado entre as noites, os palcos e os ambientes periféricos da música em Minneapolis, não sobreviveu a um argumento débil e uma realização (do próprio Prince) incapaz de encontrar um corpo entre as peças em jogo, já a banda sonora teve melhor sorte, revelando-se até o terceiro álbum consecutivo de Prince a chegar ao número um no Reino Unido.

Editado como o álbum duplo (apesar de reunidos os dois LP num único disco na versão em CD), o disco mostrou um alinhamento versátil, cruzando caminhos e referencias diversas sob uma alma comum como, outrora, o haviam feito já títulos maiores como Purple Rain ou Sign ‘O’ The Times. A grande diferença, mesmo tendo o álbum de 1987 nascido de um processo de revisão em última hora de ideias entretanto guardadas na gaveta, é que, na verdade, de realmente novo só havia aqui três canções, resultando todo o restante alinhamento de uma recuperação de gravações, algumas delas recuando a 1981, algumas delas entretanto retrabalhadas e remodeladas.

As únicas canções criadas expressamente para o filme – e, consequentemente, o álbum – foram Thieves in the Temple (usado como single de avanço), Round and Round (com Tevin Campbell) e New Power Generation, esta última a carta de apresentação de um novo coletivo com o qual Prince começaria a trabalhar por aqueles dias e que teria no álbum seguinte a sua primeira grande experiência em estúdio. De Graffiti Bridge, onde emergiram primeiros flirts com o hip hop, fez ainda história o tema Melody Cool, que chegou a ser lançado como single apontado ao circuito de DJ nos EUA. E teve ainda impacte The Question Of U, mais uma balada a reter entre a história de Prince nesse outro terreno igualmente fértil.

Apesar de representar a primeira edição de Prince nos anos 90, Graffiti Bridge é na verdade um álbum de transição que encerra assim uma série de ideias e factos que trabalhou nos oitentas. A nova década, na verdade, teria primeiro disco de referência no seguinte Diamonds and Pearls.

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