Os filmes do Queer Porto 2
Texto: NUNO CARVALHO
“Los Héroes del Mal”
de Zoe Berriatúa
Produzido por Álex de la Iglesia, Los Héroes del Mal acompanha o percurso de três adolescentes marginalizados pelos colegas de escola que se unem numa amizade cúmplice que tem também como um dos denominadores comuns o desejo de se vingarem daqueles que os humilharam. Porém, um deles, Aritz (Jorge Clemente), cede mais facilmente aos seus demónios interiores e deixa-se levar por sentimentos de raiva e cólera que o atiram para uma espiral de violência descontrolada e desenfreada que só acentua ainda mais a sua extrema solidão. Claramente transgressivo na visão que propõe da realidade do bullying nas escolas (Aritz está longe de ser o cordeirinho manso que sofre abnegadamente todas as humilhações, mas, pelo contrário, engendra uma terrível vingança que, apesar dos contornos injustos e extremados que assume, tem inicialmente uma lógica de justiça, pese embora o facto de posteriormente se revelar doentia), Los Héroes de Mal mostra como muitas vezes aqueles que são percecionados como maus e monstruosos eram, à partida, pessoas invulgarmente sensíveis que, não fossem as lógicas perversas de um mundo injusto, poderiam certamente ter sido outra coisa bem diferente.
Teatro Rivoli, Porto
Hoje, 17.00
“Nunca Vas a Estar Solo”
de Álex Anwandter
Inspirado no brutal assassínio do jovem chileno Daniel Zamudio, que chocou o Chile e o mundo em 2012, Nunca Vas a Estar Solo conta a história de Pablo (Andrew Bargsted), um rapaz gay que sonha ser bailarino e que vive com o pai, Juan (Sergio Hernández), um trabalhador de uma fábrica de manequins que ambiciona poder tornar-se um dia sócio da empresa. Pablo mantém uma relação secreta com Felix, um amigo de infância que vive fechado no armário, sem coragem para ser quem é, e que revela toda a fraqueza da sua personalidade quando, num ato profundamente pusilânime e repugnante, colabora no violento espancamento daquele que é suposto ser o seu melhor amigo cometido por rufiões desejosos de exibir o seu triste e pobre machismo. O inominável ato de violência deixa Pablo em coma, e na segunda parte do filme acompanhamos a angústia do seu pai perante o frágil estado de saúde do filho e a luta para levar à justiça o grupo de criminosos que perpetraram tão abominável crime de ódio (mas deparando-se com surreais entraves e ainda com um sistema de saúde extorsionista). Estreia na realização do músico Álex Anwandter, Nunca Vas a Estar Solo é um pungente retrato da homofobia na sociedade chilena contemporânea e da dor e luta de um pai contra um sistema supostamente fundado numa filosofia humanista mas que, posto à prova, revela mais vezes do que seria desejável uma face hipócrita e desumana.
“Take Me to the River”
de Matt Sobel
A primeira obra de Matt Sobel foi uma das grandes descobertas do Festival de Sundance de 2015. O filme centra-se na personagem de Ryder (Logan Miller), um jovem gay californiano de 17 anos que acompanha os pais (interpretados por Robin Weigert e Richard Schiff) a uma reunião familiar no Nebraska. Ryder, confortável na sua pele, tem no entanto, a pedido da mãe, que tem consciência do conservadorismo da família, de ocultar a sua verdadeira identidade. Porém, quando é levantada a suspeição histérica de uma eventual violação cometida por este sobre uma das suas primas, de 9 anos, o ambiente de tensão e ansiedade instala-se e Ryder começa a ser atormentado pelo tio. Com uma montagem firme que nunca faz esmorecer o clima de tensão psicológica, apesar do ritmo calmo e de uma ação essencialmente feita da atenção a pormenores e à ansiedade do protagonista, Take Me to the River alia o sentido da forma a uma história de ressentimentos familiares e choque de culturas com um intenso poder hipnótico e de sedução, mesmo que essa sedução passe por infundir no espectador uma sensação de desconforto resultante da atmosfera de ansiedade que domina o filme.
“La Vanité”
de Lionel Baier
Estreado na secção paralela ACID do Festival de Cannes de 2015, La Vanité, a sétima longa-metragem do suíço Lionel Baier, é um huis-clos que põe em cena um arquiteto septuagenário (Patrick Lapp) que escolhe um degradado motel suíço (que ele próprio construiu nos seus tempos áureos) para, com a ajuda de uma mulher de uma associação pela eutanásia e a morte assistida (interpretada por Carmen Maura), pôr fim ao sofrimento causado por uma aparente doença terminal. Contudo, nesta subtil comédia de enganos ou melodrama ligeiro, que consegue transmutar em leveza o peso de chumbo habitualmente associado ao tema da morte voluntária, nada é afinal o que à partida se julgava ser, sobretudo a partir do momento em que entra em cena o vizinho do quarto ao lado, um prostituto russo que é suposto agir como uma segunda testemunha (necessária, de acordo com a lei suíça), mas que poderá funcionar também como uma figura potencialmente terapêutica para o protagonista, que precisa de desfazer alguns nós emocionais resultantes de uma paternidade falhada. Misturando elementos de film noir almodovariano, screwball comedy e farsa melodramática, La Vanité mostra como a vida, por vezes por caminhos tortuosos, apela incessantemente ao nosso instinto de sobrevivência como defesa contra a pulsão de morte.




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