Consideravelmente diferente dos seus discos anteriores, o terceiro álbum que David Santos edita como Noiserv é uma pequena pérola de acontecimentos para piano (alguns deles com voz), uma vez mais sabendo também gerar surpresa pelo dispositivo gráfico que acompanha o disco.

Naquela que é uma das mais interessantes obras em construção que a música made in Portugal nos tem dado a acompanhar depois da viragem do milénio, a discografia que David Santos tem assinado, a solo, sob o nome Noiserv, tem conseguido não cair nunca em repetições nem mesmo revisões de si mesma, vincando ao mesmo tempo uma presença clara de uma identidade autoral.

Um sentido de melancolia, que atravessava até mesmo os episódios eventualmente mais luminosos que encontrávamos nos anteriores One Hundred Miles from Thoughtless (2008) e Almost Visible Orchestra (2013) acaba por ser um dos elos comuns que nos conduzem agora a 00:00:00:00, um disco que mora quase nos antípodas das propostas de exploração de timbres e cores dos sons dos instrumentos antes por si convocados.

Sob um inesperado ascetismo que se revela logo numa capa na qual é preciso focar o olhar para ali reconhecer o que parece lá não estar (mas está, tanto que até permite fazer um cubo transparente), também a música opta por reduzir o volume da informação, rumando ao limite das possibilidades dessa escassez de dados comunicados. O piano é a presença mais visível, a ele juntando-se a voz (cantando em português) do próprio músico.

Entre instrumentais e canções que sabem dizer muito com pouco, 00:00:00:00 revela-se afinal, como um fruto de uma mesma árvore, parte de uma mesma herança, mas capaz de se desafiar e sair do que poderia ser uma zona de conforto que, está visto, é coisa desconfortável para Noiserv. E ainda bem. Porque nem sempre a surpresa nos dá tantas voltas, mas com final feliz, como quando encaramos cada um dos seus novos discos.

“00:00:00:00”, de Noiserv, está disponível em CD, em edição de autor