Mexefest (dia 2): ou como a música da lusofonia vem, faz-se ouvir e vence
Texto: GONÇALO COTA
O americano Gallant emerge no palco do Coliseu dos Recreios em pose de ultra teatralidade. O esbracejar e a inquietude em palco parecem demasiado forçadas, mas servem uma voz extremamente poderosa, ancorada nos agudos e falsetes. Considerado, por alguns, como a nova voz do r&b e comparado a Prince – erradamente, na minha opinião –, o estreante canta-nos e faz cantar as faixas de Ology, álbum que foi lançado em Abril deste ano e que conta com o vibrante Weight in Gold, que já cantou com o seu ídolo Seal, e Skipping Stones.
O trio americano Kings cancelou a sua atuação na última noite do festival e Sara Tavares substituiu-os, apresentando-nos o single Coisas Bunitas, depois de sete anos passados sobre o último disco da cantora, Xinti. A facilidade como congrega e aquece as pessoas na Sala Manoel de Oliveira é única. “Hoje, se saírem mais cedo, não fico chateada. Também a seguir, vou ver coisas bonitas. Elza Soares, Mayra Andrade… Tanto de bom para ver”, diz-nos. Canta Cabo-Verde com uma facilidade como poucos, com um português adocicado, enquanto ginga a anca ao ritmo inspirado nas mornas e funaná.
Elza Soares aparece-nos no escuro, de cabeleira roxa e um vestido que cobria o palco inteiro do Coliseu dos Recreios. A “gente fixe”, como nos apelidou, não estava à espera do que seria este concerto. Era sabido: os problemas de saúde e a idade avançada fazem com a A Mulher do Fim do Mundo, título do seu mais recente álbum de originais, lançado em Junho deste ano, esteja sentada num quase-trono de imperatriz, estatuto que se pode atribuir à carioca quando se fala do samba brasileiro. Mas Elza canta mais do que samba: os momentos psicadélicos inspirados numa eletrónica alternativa, o rock introduzido pela sua banda “m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-a”, como gosta de dizer, o funk. Os temas, esses, não são desligados também da realidade brasileira, como o racismo como canta Carne ou, como a que nos canta, Maria da Vila Matilde, a violência doméstica. “Levantou a mão, denuncie. Levantou a mão, denuncie.” ecoa pelo Coliseu cheio e leva a um êxtase impar. O dramatismo é o leit-motiv para descrever um concerto que foi transcendental, efusivo, brilhante.
A chuva não parou os irmãos Leonardo e Bruno, que se unem e fundem música eletrónica com inspirações clara na música feita em Portugal, Brasil, Cabo-Verde para dar corpo e alma aos Octa Push. Língua é o último álbum do duo português e juntou tanto no disco, como no palco da Estação Ferroviária do Rossio Cátia Sá e Cachupa Psicadélica, que cantaram para um público tépido e visivelmente cansado.
Branko fechou o festival com um DJ set visualmente muito intenso, no Coliseu dos Recreios. Catártica e sublime, a música do músico que integrou os Buraka Som Sistema, em pausa por tempo indeterminado, combina o melhor que o kuduro, a eletrónica, o funk brasileiro pode produzir, e isso é audível em Atlas e Atlas Expanded, o primeiro álbum e a sua reedição. Oferece-nos, também, a surpresa da noite: Mayra Andrade, também ela parte do cartaz do festival, surge no palco para cantar Reserva Para Dois. Surpresa nenhuma foi ninguém ficar com os pés no chão.

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