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O dinheiro e o petróleo têm a cor do sangue

Texto: RUI ALVES DE SOUSA

Recuperando referências do cinema americano dos anos 70 e 80, ‘Um Ano Muito Violento’ é uma história de crime e poder que sobressai pelo grande trabalho de interpretação.

Imagem de "Um Ano Muito Violento"

Depois de um olhar particular sobre a crise financeira recente demonstrado em Margin Call – O Dia Antes do Fim, e de um poético relato de sobrevivência em alto mar com Quando Tudo Está Perdido (que tem uma incrível prestação de Robert Redford), J. C. Chandor regressa com um filme distinto dos anteriores, mas que não esquece algumas das suas características fundamentais, sobretudo a formidável direção de atores. É um cinema preocupado com as suas funções mais ancestrais: contar uma boa história e explorar, através dela, as múltiplas dimensões da condição humana. E aqui vemos, em todo o seu esplendor, as consequências de uma série de armadilhas provocadas pelo choque entre interesses pessoais e a ambição do poder.

Já foi várias vezes referido que Um Ano Muito Violento deve muito ao legado de realizadores como Sidney Lumet ou Sydney Pollack, e ao modelo de filmes inesquecíveis que polvilharam o imaginário norte-americano nos anos 70 e 80 – e as referências muitas vezes feitas a Os Incorruptíveis Contra a Droga são facilmente identificáveis. No entanto convém salientar que, apesar de ser uma homenagem à cinematografia dessa época, o filme sobrevive por si próprio graças ao equilíbrio entre os elementos da narrativa e os simbolismos construídos a partir dos diálogos, das situações e dos conflitos.

Contando uma história urbana fortemente influenciada pelas alterações das relações sociais (entre o protagonista, a sua mulher e os seus clientes) e da cadeia hierárquica de poder que as envolve, Um Ano Muito Violento é uma interessante proeza que se orienta entre o cinema clássico e a intemporalidade dos valores e ideias que são postos em confronto à medida que Abel Morales (Oscar Isaac) acentua uma rutura imparável com a sua mulher Anna (Jessica Chastain) e também com todos os amigos e inimigos que encontra pelo caminho, num percurso que se faz naquelas ténues linhas que separam o bem do mal.

É um filme sobre petróleo. Mas mais do que isso, um retrato de um casal que vive de esquemas e negócios pouco fiáveis para garantir o seu bem estar, numa América conturbada e em risco. Mas Um Ano Muito Violento tem essa particularidade de ser o testemunho ficcional de um ano (1981) marcado por uma série de brutais confrontos entre o crime e a Lei. Alguns desses casos trágicos e sangrentos são-nos apresentados, de forma muito ténue, mas também eficaz, graças a algumas indicações difundidas pelos meios noticiosos que encontramos no filme.

Outros dramas coletivos retratados fazem parte do próprio desenrolar dos acontecimentos ligados às histórias das personagens – e não se encontram, apenas, nos momentos de maior tensão, como também no desespero provocado pelo quotidiano, pela correria do dia a dia (e vale a pena observar as várias “corridas” que nos mostra o filme, porque também estabelecem uma espécie de ligação comum). Os mais simples gestos dos atores escondem assim uma outra face que liga elementos da trama com a realidade norte americana da época. Não nos esqueçamos ainda importante contribuição da banda sonora genial de Alexander Ebert. Foi graças às suas composições que Quando Tudo Está Perdido ganhou muito do seu impacte emocional, e o mesmo acontece agora em Um Ano Muito Violento.

Apesar de algumas incoerências na estrutura da narrativa, Um Ano Muito Violento é um drama empolgante e bem equilibrado que chama atenção, mais uma vez, para a versatilidade do realizador, frequentemente esquecido entre a opinião pública e os cineastas que lhe são contemporâneos. Este é mesmo um grande filme sobre o lado negro da vida mundana.

Um Ano Muito Violento (A Most Violent Year)
Realizador: J.C. Chandor
Elenco: Oscar Isaac, Jessica Chastain, David Oyelowo
Distribuidora: NOS Audiovisuais
4 / 5

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