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Leonard Nimoy (1931-2015)

Texto: NUNO GALOPIM

Morreu hoje, aos 83 anos, o ator que vestiu desde 1966, em várias ocasiões, o papel do vulcaniano Spock, figura central do universo ‘Star Trek’.

Afastando o anelar do dedo médio, palma da mão para a frente, dizia ao som das palavras “live long and prosper” a saudação que, de origem vulcaniana, ganhou lugar na história da nossa cultura popular. Expressão de um trabalho de composição de uma personagem que interpretou pela primeira vez em 1966 e que acompanhou em diversas etapas e gerações, surgindo mesmo nos dois filmes mais recentes da saga Star Trek, realizados por J.J. Abrams, Leonard Nimoy tornou-se quase indistinto de Spock. É com essa mesma frase, que evoca o papel de uma vida, que muitos hoje dele se despedem em mensagens que começaram há pouco a inundar as redes sociais, desde que chegou a notícia da sua morte, hoje, em sua casa em Bel Air (Califórnia) aos 83 anos, vítima de uma doença pulmonar crónica que o levara de urgência ai hospital há poucos dias.

Não podemos contudo reduzir Leonard Nimoy ao papel de ator e muito menos fechá-lo no universo Star Trek se bem que talvez fosse ele o paradigma maior da ideia que o criador da série Gene Rodenberry, levara pela primeira vez aos ecrãs num episódio-piloto rodado em 1966 nos pequenos estúdios Desilu, ligados à Paramount. Nimoy tinha já 15 anos de trabalho como ator – sobretudo em televisão antes de ser chamado ao seu lugar entre a tripulação da Enterprise – e havia passado, entre outras, por séries como Bonanza, Daniel Boone ou Perry Mason, tendo vivido primeiras aventuras em terrenos de ficção científica no serial de 1952 Zombies of The Stratospehere, tendo depois participado em episódios de Twilight Zone ou The Outer Limits. Depois da primeira vida de Star Trek surgiu em várias outras séries, de Missão Impossível a Marco Polo. Mas a reativação do franchise com o primeiro filme Star Trek (em 1979, com Robert Wise como realizador) aprofundou a sua relação – e a do mundo inteiro – com a figura de Spock. A carga icónica da personagem era já suficientemente evidente em 1967 quando editou o primeiro dos vários álbuns que gravou. Chamou-lhe Mr Spock’ Music From Outer Space e encetou uma carreira em paralelo que incluiu canções como Highly Illogical (mais uma alusão a Spock) ou The Ballad of Bilbo Baggins. Às canções a discografia de Leonard Nimoy junta ainda álbuns spoken word onde leu As Crónicas Marcianas de Ray Bradbury, A Guerra dos Mundos de H.G. Wells e The Green Hills of Earth de Robert A. Heinlein.

Foi também associado ao universo Star Trek que, depois de primeiras experiência em televisão nos anos 60, assinou argumentos e realizou filmes. Surgiram com o seu nome na cadeira de realizador Star Trek III: The Search For Spock (1984) e Star Trek IV: The Voyage Home (1986), a sua filmografia para cinema tendo depois contado quatro mais filmes sem as estrelas pelo caminho.

Depois de retirado concentrou atenções na fotografia e poesia, tendo lançado sete livros de poemas e sete de imagens suas, formando uma bibliografia que inclui ainda as biografias I Am Not Spock (de 1975) e I Am Spock (de 1995).

Leonard Nimoy nasceu em Boston (Massachussets) numa família judaica com origens na Ucrânia. Com primeiras manifestações de gosto pelo teatro desde muito cedo encaminhou os estudos nesse sentido, tendo a sua formação passado também pela fotografia.

A saudação vulcaniana, que não surgiu logo com Spock na sua primeira aparição televisiva – surgiu no episódio Amok Time pela primeira vez – , é uma herança direta de um gesto de uma antiga benção judaica. Leonard Nimoy usou essa e outras características da sua individualidade para criar uma figura que, nos primeiros rascunhos (em 1964) chegara a ser apontada como tendo origem marciana. A hipótese de uma eventual missão a Marte (em tempo de desenvolvimento do projeto Apollo, que levou o homem à Lua), levou Gene Rodenberry a projetar o berço de Spock para um planeta (ficcional) mais distante: Vulcano. Perante sugestão do estúdio, temendo reações ao protagonismo de um alienígena, Spock foi desenvolvido como sendo meio-humano. De tez algo esverdeada no episódio-piloto, mas já com as orelhas pontiagudas e sobrancelhas aparadas que o caracterizam, Spock ganhou outra profundidade quando, para o desenvolvimento da série, foi dado à posição de oficial científico um lugar de destaque apenas ultrapassado pelo do capitão. Houve mesmo assim receio de que a sua aparência “demoníaca”, como sugeria então o estúdio, pudesse lesar a série. Mas não foi essa a razão que fez com que, na origem, Star Trek fosse apenas um sucesso discreto, o verdadeiro culto tendo nascido depois, por ocasião de “re-runs” (repetições) em horários menores, já nos anos 70.

Leonard Nimoy foi Spock na série original Star Trek entre 1966 e 1969, retomando a voz da personagem na série animada em 1973. Como ator, e depois também como realizador e argumentista, participou nos seis primeiros filmes Star Trek estreados entre 1979 e 1992. Se a DeForrest Kelley (ou seja, o Dr. MacCoy) coube o passar de testemunho da geração original para um novo elenco na estreia televisiva de Star Trek: The Nexy Generation (em 1987) e se William Shatner assegurou igual papel na sua estreia em cinema em Star Trek: Generations, Leonard Nimoy – que mesmo assim surge como Spock em Unification, episódio da Next Generation em 1991 – foi escolhido como J.J. Abrams para criar idêntica noção de ligação ao cânone deste universo, retomando a figura do mítico vulcaniano em Star Trek (de 2009) e Star Trek: Into Darkness (2013).

Num eterno conflito entre a razão e a emoção – a “lógica” comanda a vida dos vulcanianos, mas havia ali genes humanos – o Spock criado por Leonard Nimoy tornou-se um ícone da cultura popular do século XX. Ao ator Zachary Quinto cabe o papel de continuar a lenda. Mesmo que Nimoy nos tenha deixado, a Spock podemos continuar a desejar “live long and prosper”.

 

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