Últimas notícias

Voar entre a guerra e a paz

Texto: RUI ALVES DE SOUSA

O canto de cisne de Hayao Miyazaki tem uma história poética baseada numa personalidade real. Uma obra prima que é um dos mais surpreendentes e debatidos filmes dos estúdios Ghibli.

Um ano depois de ter sido apresentado pela primeira vez em Portugal, numa antestreia esgotadíssima promovida pela Monstra, As Asas do Vento chega finalmente ao circuito das salas, e por um período muito limitado. O atraso desta estreia justifica-se através de uma série de complicações de “bastidores” (o filme esteve inicialmente ligado a uma distribuidora, mas depois ficou sem nenhuma durante algum tempo). Contudo, se há filme que urge ser descoberto em sala, e não no ambiente confortável do lar, é este mesmo. E essa sessão de antestreia ficará na minha memória como uma experiência inesquecível – como para muitos tem sido memorável a descoberta desta maravilha animada.

Há poucos realizadores que, na hora da sua despedida, apresentem um trabalho único e distinto que marque uma diferença significativa face ao percurso que até então construíram. Hayao Miyazaki é um deles, e As Asas do Vento tem tanto de filme fantástico como de histórico, militar, romântico e poético. E a narrativa balanceia suavemente entre todos esses géneros, entre todas as personagens que nos dá a conhecer, e todas as magníficas ideias visuais pintadas pelo realizador.

As Asas do Vento tem sido alvo de elogios e, por outro lado, de críticas absolutamente demolidoras. É um filme que divide opiniões, algo que não surgiu, de uma maneira tão vincada, em outros projetos dos estúdios Ghibli ou noutros filmes de Miyazaki. Sendo baseado na história do engenheiro de aviões Jiro Horikoshi, As Asas do Vento recria as preocupações desta personalidade através da História do Japão, e de um visual que deve muito ao universo fantástico que tão bem caracteriza Hayao Miyazaki. Contudo, este é o seu filme mais sincero, mais complexo, e provavelmente, mais adulto.

E é talvez por isso que muitos não tenham lidado com igual entusiasmo perante esta última investida do mítico realizador: porque Miyazaki não teve receio de “crescer” e abandonar o mundo de sonhos surreais que alimentou durante tantos anos, com inúmeros filmes e personagens emblemáticos (é impossível não citar O Meu Vizinho Totoro ou A Viagem de Chihiro). Mas na verdade é de sonhos que é feito este filme…Só que são outros, daqueles que construímos quando somos confrontados com a realidade, a tragédia e a dureza da vida mundana, que estão sempre presentes. E essa junção entre as ambições de Jiro, a sua vida e as circunstâncias em que se encontra no seu país, faz de As Asas do Vento um dos filmes mais tocantes e emocionantes dos estúdios Ghibli.

Se for desta que Hayao Miyazaki se despede de vez (porque esta não é a primeira “ameaça”), não poderia haver uma melhor maneira de fechar uma brilhante carreira. É um adeus que pode provocar lágrimas, e revela mensagens marcantes que o realizador não expressou em filmes anteriores com tanta força e intensidade. Falamos, por exemplo, do apelo à paz, do elogio do amor e da importância atribuída à criatividade, à imaginação e aos sonhos.

Porque se “o sonho comanda a vida”, o cineasta pede-nos que, com ou sem ele, continuemos sempre a sonhar. E por isso, As Asas do Vento é um monumento ao encanto, e a razão pela qual várias gerações têm algo a agradecer a Miyazaki. Porque foi ele que criou parte dos nossos sonhos, e que alimentou o nosso crescimento. Um daqueles filmes para guardar no coração.

“As Asas do Vento” (Kaze Tachinu)
Realizador: Hayao Miyazaki
Elenco: Hideaki Anno, Hidetoshi Nishijima, Miori Takimoto
Distribuidora: Outsider Filmes
5 / 5

Deixe um comentário