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O declínio do teatro da vida

Texto: RUI ALVES DE SOUSA

Uma interpretação singular de Al Pacino eleva uma adaptação cáustica e desorientada de “A Humilhação”, um romance homónimo de Philip Roth.

Eis uma história de ascensão e queda de um artista, como tantas outras que seguem o mesmo caminho, e que traçam o mesmo percurso psicológico de uma personagem decadente e perdida no meio das suas ilusões. Hollywood tem sido perita em filmar esse tipo de situações dramáticas, tão inerentes ao mundo do star system criado pela indústria (basta citar os exemplos ilustrativos dos filmes O Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder, ou Corações na Penumbra, de Richard Brooks).

Mas o que propõe Philip Roth – e o realizador Barry Levinson – é algo diferente, pelo menos, em termos formais, numa variação desses temas clássicos que dizem tanto ao cinema americano. A Humilhação é um curioso drama, com algo de humorístico, que joga com os problemas de Simon Axler, um ator instável que vê o seu talento dissipar-se e uma depressão aguda a surgir.

Por causa de tudo disso começa a confundir pessoas e aspetos da sua vida, misturando ficção, mentira e realidade sem ter noção dos limites de cada uma delas – e essa confusão irá passar, naturalmente, para o espectador. Ele é assim um ator encurralado pelos seus próprios fantasmas, que se está a tornar, ele próprio, num fantasma “de carne e osso”, que deambula pela vida real sem saber que personagem, ou que atitude, deve tomar em cada situação.

À medida que novas personagens excêntricas surgem na vida do protagonista (Al Pacino), e enquanto a linha entre a verdade e a ilusão se torna cada vez menos distinta, Axler “luta” com os seus demónios sem conseguir, alguma vez, livrar-se deles: um desconforto psicológico constante que afeta o filme e a sucessão de acontecimentos, mais ou menos credíveis, que vamos testemunhando. O filme constrói uma personagem complexa que personifica as ambiguidades do mundo do espetáculo e das angústias de quem dele faz parte.

Há alguns anos que não víamos Al Pacino assim no ecrã, a interpretar com inteira liberdade uma personagem totalmente adequada ao seu talento, e a justificar o estatuto de ícone americano perpetuado pelas décadas finais do século XX. E é o que dá um certo toque memorável a The Humbling: a sua personagem, e também as restantes interpretações (com especial destaque para Greta Gerwig e Dianne Wiest) que contribuem para a contínua confusão da intriga e da mente do protagonista.

É, portanto, nos atores e na maneira como utilizam os maravilhosos diálogos do argumento (que falha por não manter uma coesão entre todos os seus elementos), que se encontra o ponto fulcral deste filme, uma homenagem ao teatro e às relações humanas, em que a existência humana constrói as suas dimensões graças à multiplicidade de papéis que se podem assumir tanto no palco, como também no palco da realidade. De resto, salientar algumas ideias interessantes do veterano realizador Barry Levinson (autor do audacioso Manobras na Casa Branca e do popular Rain Man – Encontro de Irmãos) e de uma curiosa e subtil crítica à forma como, Hoje, todos queremos ser atores e, ao mesmo tempo, espectadores da nossa própria vida.

“The Humbling”
Realizador: Barry Levinson
Elenco: Al Pacino, Greta Gerwig, Dianne Wiest
Distribuidora: NOS Audiovisuais
3 / 5

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