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Thurston Moore: “O ressurgimento do vinil não me surpreendeu”

Texto: NUNO GALOPIM

O ex-Sonic Youth está a trabalhar com os mesmos músicos com os quais fez o seu último álbum. Aqui fala-nos sobre música, de exposições sobre músicos em museus e do ressurgimento do vinil e da cassete áudio.

Foto: Vera Marmelo

Thurston Moore regressou há dias a Lisboa, acompanhado pelos músicos com quem fez The Best Day e com os quais entretanto gravou uma nova sessão. Apresentou essas e outras canções na ZBD. E trocou umas impressões…

Vive agora em Londres. Mudar o lugar onde se habita implica que tipo de alterações na forma de fazer música?
O ambiente afeta a escrita e viver em Londres é inspirador. O lugar onde estiver a viver vai influenciar sempre a música. Não penso nisso muito, deixo mais que as coisas aconteçam. Mas viajo tanto… Na verdade faço digressões há 30 anos…

Tanto que essa ideia do espaço até se diluiu?
Sim, é verdade… Há transições de um lugar para o outro e têm sido uma influência contínua. A ideia de movimento inspira… Mas são coisas na esfera do sublime. Não creio que tenha um som londrino. Quando escrevo há coisas que quero fazer e coisas que quero investigar… Aí não creio que importe o lugar onde estou. Lembro-me que ao Burroughs, quando vivia em Lawrence, no Kansas, perguntaram se ali era mais fácil de escrever por ser mais tranquilo que Nova Iorque. E ele respondeu que podia escrever em qualquer lugar… Mas tem influência por causa da sociedade, a geografia, e tudo mais… Tudo pode influenciar.

Ao escrever o que pesa mais, o tema a abordar ou a música a explorar?
Pode haver notícias a ditar o que está a acontecer… Não tenho uma disciplina e uma prática de escrita como quem acorda e passa três horas a trabalhar… Deixo que isso aconteça quando se proporciona. Às vezes fico a pensar que devia escrever ou criar arte ou mesmo qualquer coisa construtiva e outras coisas meteram-se entretanto pelo caminho. Coisas do dia a dia… Criativamente posso dizer que confio muito no momento. A criatividade acontece quando acontece. Gravámos um novo disco e sentia que não tinha as canções preparadas para as sessões de gravação. Tinha apenas esboços. Esperei pelo momento de chegar a estúdio, onde as poderíamos construir juntos. E aí ouvia o que se estava a passar com os outros músicos… Gosto desse tipo de experiência, de ter pequenas epifanias aqui e ali. E só podem acontecer ali. O que é muito diferente de ter tudo decidido de antemão. Gosto da ideia da surpresa.

Quando hoje em dia forma uma banda para gravar um disco espera ter esses diálogos com esses músicos?
Sim, isso para mim é muito importante. Nunca contrataria músicos pelo seu know how técnico. É a personalidade dos músicos, os seus interesses, o que procuro. Está a ser bom neste momento trabalhar com James Sedwards na guitarra, Debbie Googe no baixo e com o Steve Shelley trabalho há anos. Tem disso maravilhoso. Gravámos recentemente num estúdio em Londres e correu bem. No fim fiquei com vontade de lá voltar e trabalhar outra vez, mas custa dinheiro.

Voltaram a gravar juntos? E o que houve de diferente face a “The Best Day”?
Foi uma experiência diferente. Aí era eu a escrever canções sem saber ainda com quem as ia tocar. E aos poucos foi-se tornando claro quem ia tocar. Desta vez foi diferente. Este disco foi escrito especificamente sabendo quem seriam os músicos. E muito deste novo material ia permitir que o James Sedwards pudesse mostrar mais o seu trabalho na guitarra, que é fantástico. Vai ouvir-se mais…

Com uma carreira já longa e algumas experiências bem diferentes entre si, podemos dizer que há um “som” Thurston Moore?
Há certamente. Nunca achei que regressaria a ele. E também não achava que o tinha deixado… Por vezes gosto de fazer excursões por outros caminhos, gosto de tocar uma guitarra acústica de 12 cordas como o fiz no Demolished Thoughts, ou apenas música rápida, mais hard rock, como o Chelsea Light Moving. Mas o Best Day rumou mais ao tipo de som de guitarra e estilo de escrita e de explorações que fiz com os Sonic Youth na última década. É uma assinatura… Não sinto que a tenha de abandonar ou de me afastar dela. Gosto de ter esse tipo de assinatura, de “som”. E gosto de músicos que a tenham também. Ou até assinaturas de som de género. Dizem, por exemplo, que o reggae soa todo ao mesmo. E é por isso que gosto, porque tem uma assinatura. Há um conforto criativo ali.

Com o ressurgimento do vinil a ideia da criação de álbuns afinal não vai desaparecer?
Há por um lado aquela qualidade do objeto físico, a sua vibração. E não se compara a uma informação numérica que não tem existência material. Os processos funcionam e ali deixam depois de ter sentido, ao passo que no patamar analógico, sobretudo no vinil e cassetes, há um sentido de intriga para o cérebro e a consciência. E por isso creio que está de regresso porque sinto que é um desejo humano, o de querer um objeto musical. Eu gosto do objeto. E a primeira coisa de que gosto é o seu aspeto e como pode ser tocado. A experiência auditiva é depois outra coisa. Sei o que vai ser… Mas há outros aspetos envolventes que não existem em realidades digitais. Creio que se chegou também a um ponto de exaustão de ter tudo ao nosso alcance.

A ideia do objeto que se tem em mãos e pelo qual houve um esforço para o obter?
Sim, e há ali muito diálogo… Isto não é para mim um preconceito de formatos. Há uma beleza no facto dos meios digitais terem criado espaços como o Soundcloud e outros… É qualquer coisa até no patamar da utopia. Ter as oportunidades… Mas no plano da criatividade há muito fascínio na forma como as coisas são construídas. O ressurgimento do vinil não me surpreendeu.

Tem havido edições de gravações ao vivo e colaborações tanto em vinil como em cassete, nos últimos tempos… É também assim a forma de dar realidade física a uma experiência?
Sim… Lembro-me de tentar ler livros em eReaders… A principio achei que era cool. Ter ali toda uma biblioteca. Mas senti falta da ligação física à página, de a tocar e voltar… A ligação física entre o corpo, o olho, o cérebro, o sentir que alguém fabricou aquele objeto em papel. Faz-me sentir ligado ao mundo. Há um desejo de ligação ao outro, ao mundo, ao universo. No plano digital trata-se apenas de conteúdos. Não tem alma, porque não vem do mundo físico. Tem o seu lugar, mas não me interessa. Estou feliz por haver de novo este interesse em tocar discos. Não como um exotismo vintage… Um gira-discos é tão contemporâneo como outros objetos. Não o vejo como um mecanismo vintage. Tal como os leitores de cassetes. Mas tornou-se vintage na indústria discográfica. Mas há um regresso ao lado mais de artífice da produção artística. O estúdio em Londres onde gravamos chama-se The Church. E tem equipamentos usados pelos Pink Floyd e Rolling Stones… E estão em bom estado. E há material digital que está alinhando com estes instrumentos. A sua relação é assim bem interessante, juntando a tecnologia clássica à moderna, digital. Essa união é interessante. Àlbuns em vinil com cartões de download… O que de melhor pode haver?

Nos últimos anos vimos Björk no MoMA, Bowie no V&A Museum. A música pop/rock está a chegar aos museus. Como vê esta nova tendência?
O rock’n’roll é uma forma de high art, sempre o vi assim. E as pessoas que estão a trabalhar em museus de arte têm a idade de quem cresceu num mundo em que há músicos como Björk, David Bowie ou os Sonic Youth. São vivências que assim lhes conferem um valor no mundo da arte. Acho que vai ser cada vez mais comum ver museus a abordar não apenas a história do rock’n’roll, mas todas as outras formas musicais. A música existe num plano abstrato. Há por isso que refletir sobre quem são os músicos e o que há de momentos efémeros em tudo isto. Será o trabalho visual que fizeram? A exposição de David Bowie foi um grande gesto… E estou muito curioso para ver como tudo isto vai evoluir no mundo da arte. Em Lisboa vi uma sobre John Cage, por exemplo.

E daria autorização a uma nova exposição sobre os Sonic Youth?
Sim, claro. Há uns anos houve uma, sob o título Sensational Fix, no MACBA, em Barcelona, feita por um curador holandês. Juntou os trabalhos visuais dos Sonic Youth e as colaborações com outras formas artísticas. E andou por pequenos museus. Há até um catálogo dessa exposição. Infelizmente nunca foi mostrada nos Estados Unidos. Os EUA são muito voltados para a cultura das celebridades e os Sonic Youth são uma realidade underground… Seríamos sempre uma banda marginal ali, tal como Jack Kerouac, mesmo sendo um grande escritor americano, será sempre marginal no cânone da literatura americana. Mas no resto do mundo é visto como uma figura maior nas letras, tal como o William Burroughs ou Ginsberg… Ainda são vistos nas margens da freak scene na América.

(Entrevista reproduzida por cortesia da revista ‘Time Out’)

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