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Um pedido de socorro com 50 anos

Texto: NUNO GALOPIM

Faz esta semana meio século que “Help!”, o segundo filme com os Beatles, realizado por Richard Lester, chegou às salas de cinema. Apesar do tom ligeiro nasciam ali ideias que teriam consequência.

Mais cor, mais ficção, mais fantasia, mais humor… Foi entre um lote amplificado de ingredientes, intenções e, claro, um orçamento a condizer, que os Beatles se viram pela segunda vez no grande ecrã. Richard Lester, o realizador que assegurara a estreia dos fab four no cinema com A Hard Day’s Night em 1964 foi novamente chamado. E, depois de um documentário ficcionado (que lhes valera não apenas boa bilheteira mas opiniões favoráveis), desta vez tinha em mente a criação de uma “fantasia pop art” (como ele mesmo descreveria no booklet da edição em Blu-ray) que refletisse o estado da sociedade britânica. Assim nasceu Help!. Sim, com um ponto de exclamação, porque havia já um título registado apenas com a mesma palavra, o que por pouco não fez com que o filme se chamasse Eight Arms To Hold You. Esse outro título foi sugerido por Ringo e chegou a ser considerado, até que um ponto de exclamação resolveu a coisa. Help! assim seria. E foi na última semana de julho de 1965 que chegou pela primeira vez às salas de cinema.

Com um humor de travo nonsense na linha de um registo que fizera história com o Goon Show na rádio, algumas ideias que quase antecipam o registo dos Monty Python – como por exemplo, as sequências de intervalo e a curta parte 2 – e frequentes citações ao universo James Bond (que nascera no cinema três anos antes), Help! não é apenas uma montra para novas canções dos Beatles, entre elas o tema-título, You’ve Going To Lose That Girl, I Need You ou The Night Before. Antes mesmo de se vermos e ouvirmos os Beatles os primeiros planos mostram um templo no qual, num altar sacrificial, uma vítima é “salva” da morte ao notar-se que lhe falta no dedo um anel vermelho sem o qual o ritual de Kaili não pode ser cumprido… Enviado por correio a Ringo, é num dos seus dedos que agora mora, mostrando então o filme nada mais senão uma sucessão de (hilariantes e disparatadas) tentativas de roubo do anel, não apelas pelo sacerdote e seguidores do culto, mas por dois cientistas britânicos, um deles não fazendo mais senão um rol de queixas sobre a qualidade dos produtos domésticos, dos serviços, do país em geral. Quem disse que o filme não era político?

O “estilo” Bond não se esgota apenas em situações de ação e espionagem, mas numa variedade de geografias visitadas pela história. E para a rodagem, que decorreu nos primeiros meses de 1965, os Beatles rumaram às Bahamas e Áustria, concluindo depois cenas de interiores e alguns exteriores no Reino Unido. Nas Bahamas, apesar da roupa de verão que mostram no filme, passaram um frio de rachar (era Inverno!). Depois na Áustria passaram algum tempo numa estância de ski, escolhida entre as que tivessem menor contingente de turistas ingleses, não fosse o grupo ser reconhecido. Numa noite, por ocasião de um aniversário, os Beatles deram em jeito de festa privada um pequeno concerto num dos hotéis que acolhia a equipa, representando essa a única ocasião em que passaram por um palco austríaco.

A mais marcante e consequente das sequências do filme foi rodada num restaurante indiano em Londres. George Harrisson descobriu ali pela primeira vez o som do sitar, nascendo naquele momento um interesse pela música e cultura indiana em geral que teria consequências não apenas na sua vida futura mas também em etapas marcantes da obra dos Beatles nos anos seguintes. Ou seja, para todos os efeitos, é em Help! que os fab four encontram uma janela de contacto com a Índia.

Este não é contudo o único legado maior de um filme que erradamente tantas vezes é encarado como um divertimento ao serviço de uma banda com grande orçamento. Como nota Martin Scorsese, no pequeno ensaio que foi publicado na edição em Blu-ray do filme, Richard Lester, em Help!, “foi tão ousado, à sua maneira, como Resnais o havia sido poucos anos antes em O Último Ano em Marienbad”, observando em concreto o trabalho de montagem e dos movimentos de câmara. Quanto à utilização da cor lembra que era algo “que todos estavam a experimentar naquela altura”, dando como exemplo Blow Up de Antonioni ou Farenheit 451 de Truffaut.

Help! pode ainda ser reconhecido como um importante espaço de primeira exploração de ideias daquilo que anos mais tarde seria o teledisco. As sequências que acompanham You’ve Got To Hide Your Love Away ou Ticket To Ride poderia viver mesmo sem um filme ao seu redor e são claras indicadoras de um registo na relação das imagens com a música que parte do cinema mas aponta horizontes a outra lógica narrativa e de encadeamento de imagens e até mesmo ritmo de montagem.

Cinquenta anos depois o que parecia um divertimento caro e nonsense, e que nem mesmo os Beatles entenderam na altura (eles mesmo confessaram que estavam a fumar demasiada marijuana durante a rodagem), é afinal um marco importante na história do relacionamento da música com as imagens em movimento.

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