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George Martin (1926-2016)

Texto: NUNO GALOPIM

Morreu, aos 90 anos, um dos mais célebres produtores da história do disco. Foi ele quem assinou os Beatles em 1962, com a banda tendo definido uma ligação que passa por quase toda a sua discografia.

Abbey Road Studios

Entre os vários nomes que, ao longo dos anos, acabaram aqui e ali designados como o “quinto Beatles”, de todos George Martin foi quem, na verdade, mais esteve perto de o ser. Conheceu-os no verão de 1962, numa audição que começou logo com George Harrisson a comentar que não gostava da gravata do produtor. Mesmo não os achando (ainda) uma banda de primeira água, o humor e personalidade dos músicos cativou-o. E, ao contrário do que haviam já feito outros profissionais da indústria discográfica, George Martin deu-lhes o “sim”, assinando-os pela Parlophone, a etiqueta que ele mesmo comandava para a EMI e que, até aí, tinha sobretudo colhido algum sucesso com discos de humor (Peter Sellers era um dos nomes do catálogo). Logo no primeiro encontro não se mostrou satisfeito com o baterista dos Beatles, que era então Pete Best. E se por um lado a banda o trocava então por Ringo Starr, por outro ele mesmo chamava um baterista de estúdio para a sessão na qual, algum tempo depois, registaram Love Me Do, que seria o primeiro single dos fab four em finais de 1962. Daí que, numa das versões da canção, Ringo toque apenas pandeireta e maracas… Apesar do “incidente”, que com humor ultrapassaram e comentaram várias vezes ao longo dos anos, é o baterista quem, até agora, surge como a principal voz nas palavras e ações de homenagem pela morte de George Martin, tanto que foi o próprio Ringo Starr quem tornou pública a notícia da sua morte, aos 90 anos.

Natural de Londres, onde nasceu em 1926, George Martin começou a ter lições de piano aos oito anos de idade e mais tarde completou a sua formação musical na Guildhall School of Music and Drama, onde estudou piano e oboé, numa altura em que tinha já os nomes de Cole Porter e Maurice Ravel entre as suas maiores referências. Encontrou trabalho na EMI em 1950, no departamento de música clássica e ganhou visibilidade como assistente do então responsável pela Parlophone Records. Em 1952 fez de uma gravação pouco consensual de Peter Ustinov – Mock Mozart – o seu primeiro êxito discográfico, abrindo esse disco um relacionamento com o universo da comédia com o qual fez alguns dos episódios mais significativos da sua carreira até à entrada em cena dos Beatles.

George Martin tinha já trabalhado com bandas pop/rock antes dos Beatles. Mas foi com eles que desenvolveu um trabalho de grande proximidade, tanto que seria o produtor de praticamente todos os seus discos, tendo contribuído com inúmeras sugestões nas etapas de arranjo e mistura de diversas canções. Logo em Please Please Me, ao sugerir que a tocassem com um tempo mais acelerado, acabou a sessão comunicando-lhes:

“Meus senhores, acabaram de gravar o vosso primeiro número um.

E assim foi.

Se bem que mais tarde tivesse havido alguns comentários menos entusiasmados de elementos da banda, a presença de George Martin revelou-se fulcral no processo de evolução da música dos Beatles, acompanhando a progressiva complexificação das formas (ajudando a alargar a paleta de timbres com outros instrumentos, como em Yestarday, onde foi sua a ideia de usar um quarteto de cordas) e a mais profunda exploração das potencialidades do estúdio. Por vezes a sua própria música coabitou com a dos Beatles em disco, como por exemplo na versão norte-americana da banda sonora de A Hard Day’s Night ou Yellow Submarine. Essas não foram as suas únicas incursões no cinema, tendo produzido duas canções para filmes de James Bond: Goldfinger, em 1964, com Shirley Bassey, e Live and Let Die, em 1974, com Paul McCartney, para este segundo filme tendo assinado também o score orquestral.

A sua discografia, além dos discos dos outros, inclui, além dos trabalhos para cinema, uma série de títulos lançados ora a solo ora como George Martin Orchestra, alguns deles apresentando versões instrumentais de canções, frequentemente revisitando aí o universo dos Beatles.
Além dos Beatles, com quem aprendeu a viver em períodos de trabalho em estúdio já definidos por outras rotinas e horários na etapa final da sua carreira e com quem trabalhou em alguns discos a solo (nomeadamente com Ringo Starr e Paul McCartney), George Martin estabeleceu relações de trabalho, também na produção, ao lado de nomes como os de Cilia Black, Gerry & The Pacemakers, Jeff Beck ou America, tendo ainda o seu nome em álbuns como Apocalypse da Mahavishnu Orchestra, All Shook Up dos Cheap Trick ou Quartet dos Ultravox. George Martin, que estava já retirado, acedeu em regressar ao trabalho já depois da viragem do milénio para, na companhia do seu filho Giles Martin, conceber a banda sonora para o espetáculo do Cirque du Soleil baseado em músicas dos Beatles, que seria editado em disco em 2006 sob o título Love.

Para um olhar retrospetivo sobre a obra de George Martin, que foi feito cavaleiro pela rainha Isabel II em 1966, vale a pena reencontrar alguns episódios do seu percurso musical na antologia Produced By George Martin, uma caixa de 6 CD lançada em 2001 pela Parlophone, juntando gravações originalmente efetuadas entre 1950 e 1997. Sob este mesmo título foi feito pela BBC um documentário, realizado por Francis Hanly, que está disponível em DVD e Blu-ray.

George Martin publicou em 1979 as suas memórias (até então) no livro All You Need is Ears, mais tarde, em 1993, tendo recordado em Summer of Love: The Making of Sgt. Pepper, a criação desse álbum marcante que os Beatles lançaram em 1967 e no qual ele foi o produtor. A bibliografia de George Martin inclui ainda o ensaio Making Music: The Guide to Writing, Performing and Recording, que publicou em 1983.

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