Dylan na cave de Sinatra
O que Bob Dylan fez com as canções de Frank Sinatra não é muito diferente do que ouvimos, em 2014 pela primeira vez na sua totalidade e autenticidade, com as Basement Tapes, de 1967. Ou seja, pegar numa mão cheia de temas, dez neste caso, despi-las da ganga orquestral e da pompa interpretativa e executá-las da forma mais simples possível.
O disco foi gravado, em 2014, com a produção de Jack Frost, em sessões de estúdio, sem truques: apenas Dylan e cinco músicos, em gravação directa, sem efeitos sonoros ou misturas. O som, puro e simples, colhido à primeira ou segunda tentativa.
Na verdade, pelo que já se conhece, nada de muito diferente do que Dylan tem feito nos últimos anos, resultando este disco numa continuação direta do seu último de originais e 35.º da carreira, Tempest (2012).
Antes de ouvirmos Dylan, vamos regressar às gravações de Sinatra:
1. I’m a Fool To Want You
Esta é, verdadeiramente, a única canção de Sinatra que Dylan canta no disco. É, aliás, um dos poucos temas a que “a Voz” colocou a assinatura na composição, com Jack Wolf e Joel Herron. Foi escrita no início dos anos 50, num dos momentos mais baixos da carreira e da vida pessoal de Sinatra e reflete o relacionamento conturbado que manteve com a atriz Ava Gardner. Sinatra gravou duas versões, em 51 e 57. A segunda é, de longe, mais interessante, sem coros, com uma orquestração mais avantajada e um Sinatra em melhor forma vocal. Esta segunda versão integrou o primeiro disco gravado para a Capitol (e também o primeiro em estéreo), naquela que viria a ser uma das suas fases mais interessantes.
2. The Night They Call It a Day
Com letra de Tom Adair e música de Matt Dennis, esta canção foi gravada três vezes por Sinatra (1942, 47 e 57). A versão de 1957, no LP Where Are You? (em que também surge I’m a Fool To Want You) é francamente a mais interessante. Os arranjos são de Gordon Jenkins, que imprime aos temas um forte pendor sinfónico, quase totalmente baseado nos naipes de cordas. A voz de Sinatra passeia-se esplendorosamente por essas paisagens sonoras, incutindo às canções um tom marcadamente melancólico.
3. Stay With Me
Esta canção foi escrita por Carolyn Leigh (letra), a partir de um tema que surge na banda sonora de The Cardinal (Otto Preminger, 1963), composto por Jerome Moross. A orquestração, exuberante, é de Don Costa, e permite a Sinatra demonstrar a enorme amplitude da sua voz. Foi editada em single e surgiu no LP Sinatra 65 – The Singer Today, que recolhe uma série de temas dispersos.
4. Autumn Leaves
Esta é, seguramente, a canção mais conhecida do disco de Dylan.
Foi escrita, em 1945, por Joseph Kosma, a partir do poema Les Feuilles Mortes, de Jacques Prevert. A versão mais conhecida em francês é de Yves Montand. Uma década depois, surge uma versão em inglês, com letra de Johnny Mercer, sendo de Nat King Cole uma das primeiras grandes interpretações.
Sinatra grava uma versão para Where Are You? (1957).
5. Why Try to Change Me Now
Há duas versões de Sinatra deste tema de Joseph Allen McCarthy (letra) e Cy Coleman (música): 1952 e 1959. A segunda surge no disco No One Cares, na prática uma sequela de Where Are You?, novamente com orquestrações de Gordon Jenkins, embora em tom ainda mais melancólico, de tal forma que Sinatra chegou a classificá-lo de “suicide record”.
6. Some Enchanted Evening
A canção mais popular da peça South Pacific, de Oscar Hammerstein II e Richard Rodgers (1949), tornou-se numa referência da cultura popular nos EUA, com inúmeras referências (nos Simpsons, por exemplo). É um tema sobre enamoramento e sobre “aproveitar a oportunidade”. A primeira versão de sucesso surgiu, logo em 49, através de Perry Como. Sinatra gravou três versões: 1949, 63 e 67. Em 2005, deu título a um dos seus Best Of.
7. Full Moon and Empty Hearts
Esta é uma canção composta por Buddy Kaye e Ted Mossman, a partir do Concerto para Piano n.º 2, de Rachmaninoff (curiosamente, há outro êxito da música popular baseado no mesmo concerto, embora noutro andamento: All By Myself, de Eric Carmen, 1975). A versão de Sinatra é de 1945, tendo sido um dos seus primeiros sucessos. Esta foi também a primeira canção que se conheceu do disco de Dylan. Dá para avaliar o tom do resto do disco:
8. Where Are You
Mais uma canção do disco homónimo de 1957. O original é de 1936 e foi escrito por Harold Adamson (letra) e Jimmy McHugh (música). Mais uma vez, a (doce) melancolia, servida pelas cordas arranjados por Gordon Jenkins.
9. What’ll I Do
Este é um dos temas mais conhecidos de Irving Berlin. Composto em 1924, foi gravado por dezenas de artistas, ao longo do século. Sinatra começou por gravá-lo em 1947, mas a versão definitiva é de 1962, no disco All Alone, em que metade dos temas têm a assinatura de Berlim. Os arranjos são novamente de Gordon Jenkins e, mais uma vez, ouvimos a enorme voz de Sinatra como que a surfar sobre uma tapete de cordas.
10. That Lucky Old Sun
Um tema, de Haven Gillespie (letra) e Beasley Smith (música), que faz o paralelo entre a vida interior e os ritmos da natureza.
Sinatra gravou-a logo no ano em que foi escrita (1949), mas o maior sucesso foi o de Frankie Laine. Louis Armstrong também fez uma versão, nesse mesmo ano. A canção viria a inspirar todo um disco, com o mesmo título, de Brian Wilson, em 2008. – João Morgado Fernandes
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