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Dois miúdos na invenção de Nova Iorque

Texto: JOÃO MORGADO FERNANDES

A admiração de Patti Smith por Robert Mapplethorpe era ilimitada e talvez aí resida um ponto fraco de Apenas Miúdos. Como se, naquele dia de 1967, quando se conheceram em Brooklyn, tivessem selado um pacto de sangue pelo qual vedaram ao mundo o acesso ao seu próprio mundo. Por isso, há páginas e páginas de pura adoração, quando talvez esperássemos alguma explicação. Patti assume plenamente o título da obra e é quase com a ingenuidade de uma criança que nos vai relatando aqueles dias extraordinários. Sabemos da paixão arrebatadora que os junta – e, sim, a paixão não se explica -, mas ficamos sem saber como viveu, o que sentiu, o que pensou Patti, o que disseram um ao outro, quando Robert se afasta, assume a homossexualidade e fica obcecado pelo sucesso artístico. Não se pedia, obviamente, qualquer exposição voyeurista, apenas perceber o turbilhão de sentimentos que os atravessou.

O mesmo acontece na opção de Patti pela música. Até um certo momento, toda ela era poesia, e depois pintura, com Robert. Mas há um dia em que pega numa guitarra e os poemas saltam para a música. Assim, sem que entendamos como e porquê.

Estas são duas fragilidades que não afectam a enorme riqueza da obra, aliás vastamente premiada pela crítica.

A escrita de Patti Smith situa-se algures entre a oralidade, de quem conta uma história de um ponto de vista quase jornalístico, com a descrição cronológica de acontecimentos, e um certo lirismo, no ritmo da escrita e na forma como vai comentando esses mesmos factos.

Embora recue à infância e juventude, numa New Jersey rural e numa família católica, e depois acompanhe a morte de Mapplethorpe, em 1989, o livro centra a sua ação na década em que Patti e Robert se cruzaram, com 21 anos, ou seja, de 1967 até meados dos anos 70, em que ambos se tornaram conhecidos.

O seu maior interesse – e nesse aspecto casa bem com o primeiro volume das memórias de Bob Dylan (Chronicles Volume One, 2004), aliás mencionado por Patti como grande influência – está na descrição de Nova Iorque nesses dias de descoberta e de invenção de uma nova cultura. Como jovens literalmente esfomeados, mas também com fome de sucesso artístico, tomam conta da cidade e vão tornando míticos os locais que frequentam.

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