Foi você que disse Johnny Depp?
Texto: JOÃO LOPES
Face ao confrangedor novo filme com Johnny Depp, O Excêntrico Mortdecai, dirigido por David Koepp e centrado na personagem dos livros de Kyril Bonfiglioli, há uma pergunta que regressa: de que falamos quando falamos de uma estrela de cinema? Pois bem, de um misto de efeitos concretos e ilusões abstractas. Ou ainda: da capacidade de, para além das personagens e dos filmes (mas também através das personagens e dos filmes), garantir a persistência de uma persona que transcende qualquer efeito de ficção.
Que está, então, a acontecer-lhe? Digamos, para simplificar, que os seus títulos mais recentes têm sido apoteóticos fracassos comerciais: O Mascarilha (2013), revisitação sarcástica da mitologia do velho Oeste, e Transcendence: A Nova Inteligência (2014), um thriller sobre a inteligência artificial. E, ao que tudo indica, O Excêntrico Mortdecai vai pelo mesmo caminho…
Escusado será repetir que o trabalho artístico dos filmes não se confunde com os números da sua performance nas bilheteiras (relembro, a propósito, que sou mesmo dos que consideram O Mascarilha uma brilhante derivação sobre as linguagens clássicas do western). Para além disso, os embaraços comerciais de Depp não são indiferentes para a sua própria inscrição no espaço da grande indústria nem para a prossecução da sua carreira.
Acontece que o mais paradoxal de tudo isso parece estar, em grande parte, nas opções que Depp tem assumido. Dir-se-ia que a sua imagem mais ou menos bizarra, em parte construída através de algumas magníficas fábulas assinadas por Tim Burton — lembremos o maravilhoso Eduardo Mãos de Tesoura (1990) —, fez com que, pelo menos em alguns filmes, sintamos que as personagens existem menos através das suas especificidades e mais como uma “prova de vida” do próprio actor. Como se a legenda fosse: eis Johnny Depp a fazer de Johnny Depp…
Centrado numa série de atribulações do mercado da arte, O Excêntrico Mortdecai vai-se reduzindo a uma colecção de sketches não muito inspirados, parecendo menos um filme com princípio, meio e fim, e mais uma colagem arbitrária de restos encontrados no chão da sala de montagem dos Monty Python. Claro que todos os actores têm altos e baixos na sua carreira. Mas para sustentar uma carreira é preciso saber desafiar as fronteiras do seu próprio estereótipo.
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