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Da próxima vez fico a dormir…

Texto: NUNO GALOPIM

O que dizer de uma noite de Óscares que revelou as piores audiências dos últimos anos? Tal como sobre os prémios em si, não há aqui qualquer surpresa…

Ano após ano acabo a noite a pensar nas horas de sono que perdi e a jurar que, no ano seguinte, não volto a cair na mesma tentação. É claro que caí. Havia filmes de Wes Anderson e Richard Linklater entre os candidatos a “melhor” filme (mesmo achando eu que, entre o volume de títulos sobre os quais se podia escolher, o “melhor” teria sido mesmo Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer, já que internacionalmente Apenas os Amantes Sobrevivem, de Jim Jarmusch, é coisa de 2013). O belíssimo filme polaco Ida, que vai muito para além dos feitos na direção de fotografia a que já o ouvi ser reduzido, tinha mais que uma nomeação. E o assombroso Leviatã era o forte concorrente russo, para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Alexandre Desplar e o compositor islandês Johann Johannsón estavam entre os nomeados para o Óscar de Melhor Banda Sonora Original (onde faltou ostensivamente a presença da música de Trent Reznor e Atticus Ross para Em Parte Incerta)… Ok, havia alguns motivos. E fiquei acordado.

Ainda não eram cinco da manhã e já estava arrependido.

Prémio após prémio a cerimónia mais não parecia senão uma espécie de confirmação, com plateia “deluxe” das distinções que nas semanas anteriores tinham revelado as escolhas das várias guildas e associações profissionais. A surpresa, que outrora morava naquele silêncio depois de se ouvir a frase “and the winner is”… já ali não mora. Apenas uma reafirmação do que já se sabia. Olha-se para os amigos com quem se partilha a noitada e encolhem os ombros. E no Facebook escreve-se mais um disparate de resignação. Já sabíamos, pois é. E nem era preciso uma bola de cristal.

As audiências não esconderam o que muito errado aconteceu. Foram más. As piores dos últimos anos. Se é verdade que a presença de alguns títulos sem bilheteira colossal entre os nomeados afasta muita gente dos ecrãs, são a falta de surpresa e o zero de ansiedade quem há já alguns anos vai progressivamente afastando dali o entusiasmo. De manhã podemos acordar, ver os resultados e confirmar o que já esperávamos sem custar tanto a levantar.

Fosse a cerimónia em si um momento televisivo cativante, então perdoávamos a surpresa e lá vivíamos uma noite entre bolachinhas, chá (sem cafeína) e as imagens que iam saindo do televisor.

Mas não. A gala é mais repetitiva que o refrão de Love Me Do dos Beatles (de que gosto muito, ok?). Já esperamos o número de abertura trálálá com piadas aos filmes e contexto. Já esperamos planos do apresentador na sala a parodiar os convidados. As gracinhas são as de sempre, com ar de atrevidas mas sem o serem. Depois há aqueles nomeados a Melhor Canção que na verdade dessa designação só carregam o rótulo “canção”. E este ano ainda houve mais uma balada banal a fechar o In Memoriam. Mais um episódio com Lady Gaga, agora em pose séria – mas de luvas na melhor tradição “a máquina da loiça avariou e há que lavar os pratos à mão”. Abordou de forma canónica um medley que celebra – com justiça, diga-se – os 50 anos de Música no Coração, de Robert Wise. Mas mesmo dominando a voz, aquele registo é postiço. E isso notou-se em Climb Every Mountain, bastando lembrar como Julie Andrews – que apareceu logo depois no momento mais classy e belo da noite – dava conta do recado de forma bem melhor…

Depois houve uma estreia desastrosa de Neil Patrick Harris como apresentador a mostrar que parece ser quase tão difícil encontrar um substituto para Billy Crystal como um convincente candidato de esquerda às presidenciais de 2016.

Houve pontuais momentos políticos. E são importantes. O discurso pela igualdade de género de Patricia Arquette. A intervenção a tempo e horas de John Legend e Common, particularmente sensível num ano que viu questões raciais a voltar aos cabeçalhos dos jornais. E, mais ainda, o testemunho emotivo – e magnífico – do argumentista de O Jogo da Imitação. Vozes que sublinham um patamar liberal que Hollywood lança uma vez mais a uns EUA onde, depois das eleições de novembro, o poder de ambas as câmaras do Capitólio está em mãos conservadoras. E numa altura em que, para sonhar com a Casa Branca, o Partido Republicano tem de repensar a sua relação com a sociedade americana real do presente, multicultural pouco dada a extremismos religiosos.

Ao fim de longas horas de mau entretenimento televisivo, praticamente sem surpresas – talvez apenas nas curtas, quem sabe – e com renovada constatação que a música é coisa que quem vota na Academia é coisa não sabe ouvir, a noite soube a coisa longa e aborrecida. Para o ano fico a dormir… Digo agora… Será que fico mesmo?

PS. Da passadeira e dos trapinhos o que posso dizer que, como sempre – e nos antípodas dos meus interesses (e nada contra que haja quem goste) – havia gente a chegar, a dar entrevistas de interesse nulo e, depois, a sentar-se. E a passadeira era encarnada… Nada de novo também por ali.

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