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Indie é a nova Major

Texto: JOHN GONÇALVES

Há uma ideia generalizada de que a Academia que decide os nomeados e os vencedores dos Óscares é qualquer coisa com poucas pessoas, obviamente mais velhas, conservadoras e com interesses muito definidos de protecção dos filmes provenientes dos grandes estúdios de Hollywood.

Mas a verdade é que a academia tem perto de seis mil membros e esses são na sua totalidade profissionais de cinema que trabalham ou trabalharam em Hollywood, na sua grande maioria caucasianos (94%), de sexo masculino (77%) e acima dos 60 anos de idade (54%). Também sabemos que 33% desses membros já foram nomeados para Óscares anteriormente e que 19% deles já ganharam a estatueta dourada.

Para mim o Óscar é, e continuará a ser, o prémio da indústria americana. Não tenho quaisquer ambições de que se torne semelhante a um festival de cinema e até entendo que deva ser complicado para apaixonados de cinema ter que aceitar prémios atribuídos por perto de seis mil profissionais de cinema de Hollywood, com as características demográficas que referi atrás. Mas é assim que são e serão os Óscares.

Cada vez que aparece uma nova nomeação lá surgem as “vozes críticas da Academia”, das escolhas “da Academia”, dos “lobbies das grandes majors para com a Academia”, entre muitos outros comentários. E eu, que sou de Alcobaça, uma cidade pequena com uma população registada com 5751 pessoas, entendo que todos os autarcas eleitos na junta de freguesia da minha cidade tiveram seguramente menos votos que qualquer filme, técnico ou autor que ganhou algum Óscar na vida.

Esta comparação de imaginar que todos os habitantes de Alcobaça são membros da Academia ajuda-me a entender a dimensão, pois afinal há várias pessoas a votar, muitas sensibilidades, diferentes tendências e obviamente uma maioria.

E sim, é a maioria que define os vencedores, como a maioria decide qualquer eleição. E estes vencedores não tornam os Óscares óptimos quando ganham os filmes que nós adoramos e péssimos quando ganham os filmes que nós odiamos.

Eu adoro cinema e na minha vida tive oportunidade de ir a vários festivais – Cannes, Berlim, SXSW em Austin, Tribeca em New York, Rio de Janeiro – onde os filmes independentes mandam. Mas foi uma surpresa ver que apenas um filme de grande estúdio estava entre os nomeados para melhor filme – American Sniper – e todos os outros eram produzidos por estúdios independentes.

Com as premiações concluímos que dos 24 Óscares atribuídos, Birdman, The Grand Budapest Hotel e Whiplash sozinhos conseguem ganhar 11 estatuetas e apenas 4 desses Óscares atribuídos no domingo foram parar às mãos de filmes produzidos por grandes estúdios americanos: dois de animação da Disney, um de melhor montagem de som para American Sniper e um de efeitos visuais para Interstellar.

Esta contabilidade matemática, que vale o que vale, contraria um pouco a tendência das ultimas décadas e para mim é um paradigma interessante na maneira de se fazer cinema nos dias de hoje.

Se na música os artistas independentes são os mais importantes em todos os festivais de música popular e os Arcade Fire ou Beck ganham Grammys, é interessante verificar que no último baluarte da industria de majors no cinema mundial, os indies começam claramente a tomar o espaço que outrora era apenas dessas majors.

Isso vai facilitar a vida a filmes artísticos e de cariz meramente estético nos Óscares? Não sei, talvez possam ter espaço se os quase seis mil membros da Academia assim o desejarem, porque são eles que decidem, com respeitados currículos, numa área tão complexa e técnica como o cinema. Mas eu como consumidor, não lhes exijo que o façam.

O que eu exijo é que festivais americanos como Sundance, Tribeca, SXSW e muitos outros festivais espalhados pelo mundo continuem a mostrar-me o melhor cinema feito neste planeta.

Aos Óscares exijo transparência na votação e que os prémios possam sustentar e alavancar uma indústria com a consequente exposição mediática dos vencedores em todo o mundo.

Se for possível pedir algo, desejava que a cerimónia da entrega dos prémios fosse um evento moderno, artisticamente evoluído e interessante, até porque pelo que sei, os perto de seis mil membros da academia não têm absolutamente nada a ver com a produção!

2 Comments on Indie é a nova Major

  1. É verdade que nós tendemos a interpretar os resultados dos Óscares como resultado de um pensamento – dizendo coisas como “a Academia valorizou isto ou aquilo” – ignorando que os prémios resultam de um grande agregado de opiniões individuais sem racionalidade colectiva. É uma característica do pensamento humano.

    Mas vejo com alguma discordância a ideia de que a vitória de Birdman reflicta uma vitória do cinema independente. Birdman tinha por detrás uma forte distribuidora, a Fox Searchlight, do grupo Fox. E estava no topo do arco de promoção – era o filme do momento.

    Boyhood era um filme verdadeiramente independente, na produção e na distribuição. No entanto, após uma longa carreira de festivais e prémios, estava no fim do seu ciclo e anunciava-se como um vencedor antecipado – o que penso possa ter fragilizado o seu impacto na hora da votação.

    De qualquer modo concordo que a diversidade existe e chega também aos Óscares. É bom ver filmes como The Great Budapest Hotel e Whiplash serem reconhecidos. E também é bom ver grandes produtoras arriscarem em títulos como Interstellar, um sci-fi arriscado, complexo, que fica para a história do género – mesmo sem chegar aos prémios principais.
    Abr.

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  2. Daniel,

    Atenção que aqui e acolá no mundo o Boyhood também teve o apoio na distribuição da Universal e da Paramount, quer em home entertainment que em theatrical.
    Aliás cada vez mais as majors pouco produzem, mas continuam com um enorme peso na distribuição norte-americana.
    Mas tens razão.
    Grande texto do John.

    Abraço

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