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A noite dos três mil concertos

Texto: DAVID SANTOS *

No momento em que são reeditados entre nós os três primeiros álbuns dos Sigur Rós, David Santos (Noiserv) recorda o dia em que descobriu a banda islandesa.

Um dia um amigo perguntou-me se queria ir a um concerto no Coliseu de Lisboa. Eu disse que sim: em dois mil e três quase todos os concertos eram o pretexto ideal. Com antecedência, comprámos os bilhetes e, com antecedência, arranjámos outro amigo para nos acompanhar. Assim sendo, dia um de Março de dois mil e três, lá nos encontrámos os três, à porta do metro da Baixa-Chiado, talvez para nunca mais a vermos da mesma forma.

A caminhada não foi longa e rapidamente me sentei no lugar que me era destinado. Lembro-me de esperar algum tempo, mas subitamente as palavras começaram a desaparecer. Desapareceram de tal forma, que acredito que também as pessoas tenham seguido o mesmo caminho, uma de cada vez e muitas vezes aos pares. Comecei a deixar de vê-las até que fiquei sozinho. O concerto tinha deixado de ser apenas um e, pelas minhas contas, acredito que três mil concertos tenham começado ao mesmo tempo, cada um deles com apenas um espectador. Se calhar não começaram todos à mesma hora, alguns podem ter tido um atrasado inicial, mas acredito que nenhum deixou de acontecer. Falando apenas do meu, o único que vi, os minutos passavam sem que os conseguisse parar ou voltar atrás. Minutos que pareciam segundos feitos de horas.

Lembro-me de pensar aos três ou quatro minutos, segundos ou horas, que já teria sido um dos momentos altos da minha vida, se tudo terminasse por ali. Mas não terminou, esse momento alto tornou-se alto demais para o alto a que eu estava habituado. E esse alto demais tornou-se ainda mais alto. Já lá em cima, as luzes acenderam e eu estava a chorar. Chorar não de tristeza mas de outra coisa qualquer que convém repetir com frequência.

A banda era Sigur Rós e eu o David, um dos espectadores daqueles três mil concertos.

Naquele dia, e pelas vezes que me lembro dele, claramente não poderão ter sido apenas vinte e quatro horas, esta banda islandesa apresentava o seu terceiro disco ( ) e foi dessa forma que o concerto começou e acabou, pelo meio surgiram músicas dos discos anteriores. São esses mesmos três discos, que acabam de ser reeditados, em edição de bolso [CD] e em edição de bolso grande [vinil].

Um dia fui mais porque os conheci, um dia fui mais porque os vi ao vivo, um dia fui mais porque nunca me esqueci deles, hoje em dia sou mais porque felizmente esses dias nunca desapareceram.

Os álbuns Von (de 1997), Ágaetis Byrjun (de 1999) e ( ) (de 2002) acabam de ser reeditados entre nós pela Popstock em formato híbrido 2 LP + CD.

* David Santos tem carreira a solo como Noiserv e integra os You Can’t Win Charlie Brown.

1 Comment on A noite dos três mil concertos

  1. Desconhecida's avatar Abílio Jorge Mendes // Março 4, 2015 às 1:36 am // Responder

    Um texto fantástico, acerca de um grupo fantástico. Revejo-me em muitas destas palavras…

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