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Aventura do tempo que parou

Texto: JOÃO LOPES

O cinema sempre se interessou pela ambiguidade das medidas do tempo: em “A Idade de Adaline”, Blake Lively interpreta uma mulher que atravessa quase todo o século XX sem envelhecer.

Podemos perguntar porque é que o cinema sempre se interessou pelas “viagens no tempo”, ou melhor, por ficções em que a própria noção de duração é posta à prova. Para nos ficarmos apenas por dois exemplos emblemáticos, lembremos Um Caso de Vida ou de Morte (1946), a obra-prima da dupla Michael Powell/Emeric Pressburger, centrada num aviador britânico que, num tribunal celestial, defende o seu direito a continuar vivo, e O Estranho Caso de Benjamin Button (2008) em que, colhendo inspiração numa história de F. Scott Fitzgerald, David Fincher encena as atribulações de um homem cujo corpo rejuvenesce à medida que vai envelhecendo…

Provavelmente, o fascínio de tais odisseias enraíza-se no paradoxo que colocam em marcha: o cinema, fenómeno de um presente que se renova em cada projecção, aposta em desafiar a própria linearidade da existência humana, abrindo os destinos individuais a outras medidas… do tempo.
A Idade de Adaline envolve a curiosidade de um risco conceptual que, em última instância, a realização de Lee Toland Krieger parece recear enfrentar. Trata-se, neste caso, de seguir uma mulher cujo envelhecimento ficou, literalmente, parado no tempo. A aventura de Adaline consiste, assim, não apenas em aceitar a sua “incapacidade” de envelhecer, mas também em gerir as tensões que nascem do facto de os outros não observarem qualquer transformação no seu estado físico.

No papel central, Blake Lively é magnífica, expondo um misto de perplexidade e angústia que nasce da sua inadequação às medidas impostas pelo calendário (de todo o século XX, em boa verdade). Através de uma subtil caracterização — do guarda-roupa e, em particular, do cabelo —, a sua Adaline é alguém que está sempre ligeiramente ao lado dos padrões de cada época.

Ao mesmo tempo, não faz muito sentido que o filme, sobretudo através de uma voz off mais ou menos “descritiva”, acabe por contrariar o impulso romântico que há na história de Adaline. É pena: um projecto pleno de potencialidades dramáticas (obviamente executado por um conjunto de competentes profissionais) acaba por ficar limitado por uma visão algo esquemática, dir-se-ia apostada em “racionalizar” uma história toda ela marcada pelo desejo de artifício.
Há um sintoma disso mesmo na promoção do filme, quando ouvimos a filha de Adaline dizer-lhe: “Feliz aniversário, mamã!”. De acordo com a lógica da história de Adaline, a sua filha é uma personagem que envelheceu (interpretada por essa actriz admirável que é Ellen Burstyn), tendo por isso uma aparência muito mais idosa que a própria mãe… Dito de outro modo: o momento tão especial em que a filha “velha” se abraça à mãe “jovem” devia ser uma revelação do próprio filme. Mas não: está no trailer, como se os “especialistas” do marketing ignorassem que ir ao cinema pode ser um acto de descoberta, não a monótona confirmação daquilo que já sabemos.

“A Idade de Adaline”
Realização: Lee Toland Krieger
Com: Blake Lively, Michiel Huisman, Ellen Burstyn, Kathy Baker, Harrison Ford

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