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Fora do tempo

Texto: DANIEL BARRADAS

Se algures no céu, Billie Holiday ou Ella Fitzgerald se deixaram inspirar pelos Portished e fazem concertos para os anjos, é provável que soe como o primeiro album de Annabel (lee).

Annabel Lee é o título do último poema escrito por Edgar Allan Poe. Nele, o narrador conta a história do seu puro amor por Annabel Lee, um amor tão puro que fazia a inveja dos anjos e que ele suspeita tenham causado a sua morte. Todas as noites ele deita-se a seu lado num sepulcro à beira-mar, perdido na recordação da sua amada.

Este poema é o mote para o disco By the sea…and other solitary places e para o duo Annabel (lee), composto pela cantora Annabel e o músico Richard E. Ela, uma americana cansada de cantar standards de jazz. Ele, um inglês cansado de produzir música de dança. Divididos pelo oceano mas unidos pelo seu amor a Poe, William Blake, Debussy e Eric Satie, conseguem logo ao primeiro álbum erguer-se acima das suas influências e surpreender com uma personalidade distinta. A capa do disco já nos diz tudo sobre a música que aí encontramos: imagens de um passado distorcido, algures entre assombração e brincadeira perversa.

A primeira canção sugere-nos aos primeiros segundos o universo de Dummy dos Portishead. Mas depois chegam umas cordas saídas de um filme de Drácula dos anos 50 e a voz de Annabel, como uma Ella Fitzgerald zombie, começa por nos dizer Forever is not too long… e percebemos que o trip-hop dos anos 90 ficou de repente muito mais gótico.

Na segunda canção, Annabel sussurra-nos “I will lead the way, do not be afraid…” e é aí que nos temos que render a esta figura que é afinal um Orfeu invertido: a amada morta que nos vem pegar na mão para nos guiar pela escuridão adentro.

É difícil distinguir entre o que é música original e o que é material reciclado. Tudo neste universo nos parece tão conhecido. Como é que é possível que Believe seja uma canção nova? Não será algo composto nos anos 30 e remisturado ontem à tarde?

Alternando momentos de luz e sombra, um universo dantesco vai-se erguendo à nossa volta e, ao longo do nosso passeio pela paisagem ora celeste ora infernal, encontramos coros de anjos, sereias uivando, Nick Drake dedilhando uma guitarra ao sol, um DJ a brincar com discos de orquestras dos anos 40, um fauno a tocar oboé e claro, muitas harpas e violinos.

O resultado é um disco daqueles completamente fora de modas, fora de tempo, completamente único e fechado em si. Uma perfeita pérola. Negra.

Annabel (lee)
“By the sea…and other solitary places”
If Music/Ninja tune
5 / 5

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