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As histórias que uma viagem pode descobrir

Texto: NUNO GALOPIM

Mais do que um relato dos lugares visitados, “Na Patagónia” levou Bruce Chatwin a construir uma coleção de histórias da região e de figuras invulgares que a habitaram ao longo dos tempos.

A história tem aquela carga daquelas mitologias características da cultura popular: um dia, sem avisar o empregador, partiu de viagem e mal chegou ao seu destino enviou um telegrama ao local onde trabalhava, dizendo onde estava. Ele trabalhava então no Sunday Times, chamava-se Bruce Chatwin e no telegrama lia-se “fui para a Patagónia”. E porque sabemos deste telegrama enviado pelo homem que era então consultor de arte e arquitetura do jornal? Porque dessa viagem e das leituras que entretanto aquela região colocou diante dos seus olhos nasceu Na Patagónia, não só o seu primeiro livro mas um título de absoluta referência na história da literatura de viagens.

Não era a primeira vez que tentava materializar na escrita o seu gosto pelas viagens. E em inícios dos anos 70, depois de uma etapa na qual esteve ligado à leiloeira Sotheby’s (na qual aprofundara os seus conhecimentos sobre arte) e após uma breve passagem pela Universidade de Edimburgo para estudar arqueologia, Chatwin trabalhou num projeto de livro que teve por título de trabalho The Nomadic Alternative (que seria usado anos depois para uma seleção de correspondência sua) e chegou a ponderar uma parceria para, num outro exercício de escrita, registar o relato de viagens suas ao Afeganistão. Mas foi na Patagónia que encontrou o azimute certo para o fazer chegar ao universo que dele fez uma figura marcante na história da literatura de viagens.

Na verdade as suas memórias da Patagónia recuam – como de resto conta no livro – a um objeto que estava integrado no gabinete de curiosidades em casa dos avós (onde viveu durante a guerra). Dizia-se que era um pedaço de um brontossauro. Na verdade era um fragmento – conservado – de uma preguiça. Dizia-se que vinha da Patagónia, aquele lugar distante no sul da Argentina, cujo mapa reencontrou anos mais tarde quando entrevistou a veterana designer Elieen Gray, então com 93 anos, na sua casa em Paris. Ela tinha desenhado um mapa da região e, ao vê-lo, Chatwin confessou que sempre ali desejara ir um dia. Ela disse o mesmo e pediu-lhe que o fizesse por si. Dois anos depois, chegado à Patagónia enviou o telegrama ao jornal. E seis meses depois regressava com imagens vividas, relatos, factos e mitologias, das quais faria nascer em 1977 o livro ao qual chamou Na Patagónia.

Conduzido de norte para sul, num ziguezague entre a costa e o interior, descendo depois ao ponto mais meridional do continente e subindo um pouco pela costa do Pacífico, Chatwin faz aqui mais do que um diário de viagens, uma coleção de pequenas narrativas nas quais cruza os lugares que visita com memórias de figuras que os habitaram e ali deixaram marcas ou histórias. Entre bandidos e navegadores, contando mesmo a história de um monarca local ou de um velho padre que está a escrever sobre as mitologias da região, caminhamos entre tempos remotos e aquele em que a viagem decorre, criando aos poucos um mapa das pequenas grandes histórias da região. Terra povoada quer pelos índios autóctones quer pelas sucessivas vagas de emigrantes – uns ingleses, uns alemães, uns franceses, uns norte-americanos – além dos descendentes dos colonizadores espanhóis, a Patagónia é uma terra na qual a paisagem por vezes quase desértica e recortada por altas montanhas ou repleta de canais de difícil navegação, contrasta com a variedade de gentes, as suas casas, comidas, experiências que Chatwin vai encontrando entre pequenas cidades, fazendas e páginas de velhos livros que vai descobrindo. É desse mundo rico em imagens e, sobretudo, histórias contadas, que ganha corpo esta visão daqueles lugares.

“Na Patagónia”, de Bruce Chatwin, está publicado entre nós pela Quetzal, numa tradução de José Luis Luna

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