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Dez grandes discos de 1965 (10)

Concluímos assim a lista de dez discos de 1965, apresentados por nós e alguns convidados, que se juntam para lhes soprar as 50 velas. Hoje passamos por “Help!”, dos Beatles, evocado pela Teresa Lage.

“Help!”, dos Beatles
por TERESA LAGE

Faz este mês precisamente 50 anos que Help! – o primeiro dos dois álbuns de originais dos Beatles em 1965, foi editado. Antes disso, já dois temas do disco tinham feito sucesso como singles: Ticket to Ride em Abril e Help já em Julho.

O álbum Help! surgia como a banda sonora do segundo filme dos Beatles, estreado no final de Julho em Londres numa gala com a presença da Princesa Margarida. No entanto como sempre acontecia com os Beatles, uma banda sonora nunca era apenas uma banda sonora e Help! incluía, além das canções do filme, nada mais nada menos que 7 músicas novas!…Entre os bónus com que os Beatles nos brindavam no lado B de Help! encontrava-se uma balada chamada Yesterday que se tornaria a música mais gravada de sempre! Yesterday tinha sido acabado por Paul McCartney dias antes, em Maio, em Portugal, em casa de Cliff Richard onde estava de férias, Bruce Welch dos Shadows. Paul já tinha a música na cabeça mas foi depois da viagem de Lisboa para o Algarve que escreveu filnalmente a letra e a estreou completa mal chegou a Albufeira, na guitarra que Bruce lhe emprestou.

Help! era já o segundo filme que os Beatles faziam com Richard Lester – um realizador que o grupo tinha escolhido por ter sido o responsável pela adaptação à televisão dos “Goon Shows” de Peter Sellers e Spike Milligan. Ao ver Help! muitos anos mais tarde não pude deixar de pensar no modo como o filme deve ter influenciado em 1969 os programas de televisão e depois os filmes dos Monty Python.

Além de nos trazer uma história bem contada, e de incluir momentos musicais percursores dos actuais vídeos, Help! é um filme positivo, divertido e cheio de acção e,talvez por isso, o filme dos Beatles que ainda hoje agrada ainda mais às crianças…( mais do que o percursor mas um pouco sombrio filme de animação Yellow submarine”)

Help! trazia-nos os Beatles, com a sua música, magia e charme, ali mesmo na tela quase em carne e osso, numa altura em que, os músicos eram apenas vozes e caras nos posters e revistas…

Não sendo da geração de 60, só conheci verdadeiramente os Beatles depois deles terminarem, a partir das colectâneas vermelha e azul de 1973. Os temas mais icónicos reunidos nesses quatro LPs foram os que me conquistaram para os Beatles mas foram também os que me fizeram partir à descoberta de todas as outras canções que existiriam para além daquelas nos álbuns originais. Foi assim que fui comprando toda a discografia do grupo, apreciando cada música nova e apaixonando-me, como tantos que não viveram os sixties, hoje se continuam a apaixonar, pela música e magia dos Beatles.

Em 1977 quando comprei este Help!, as músicas que mais me fascinaram não foram os brilhantes Help, Ticket to ride ou Yesterday que já conhecia mas as que descobri na altura, “por mim” e que, por isso, sempre senti que me pertenciam mais – You’re gonna lose that girl (cujo “video” é também um dos meus momentos preferidos do filme, com John, Paul e George a cantarem a três vozes) You like me too much  e I’ve just seen a face que aprendi a tocar na guitarra e cantei vezes sem conta com os meus irmãos e canções tão simples e eficazes que só os Beatles nos poderiam ter dado como I Need you, You like me too much, The night before e até Another girl que Paul McCartney cantou pela primeira vez ao vivo na última digressão e que, no concerto de Maio, na O2 Arena, quase me convenci que estava a cantar especialmente para mim – uma música de Help! que tal como o resto deste álbum dos Beatles de Agosto de 1965, continua a soar nova 50 anos depois!

 
“Bring it all Back Home”, de Bob Dylan
por ABEL ROSA

Escrever sobre os melhores álbuns de 1965 é um grande desafio. Beatles (Rubber Soul é único), Kinks, Who, Rolling Stones, Byrds, Coltrane, Brel e tantos outros contribuíram para a colheita.

Álbuns eram coisa de gente grande, um LP era um objecto de culto, um altar, uma escolha muito adulta para nós, os (muito) miúdos de então. Singles e EP preenchiam gloriosamente os nossos momentos pop.

Depois dos anos da inocência e de todos os Verões do amor e dos amores, anos 70, chega a primeira de muitas maturidades musicais, aí sim, o álbum e os seus protagonistas atingem os nossos sonhos, lançam ideias, abrem a discussão e tomam conta dos nossos sentidos, a música popular revoluciona o mundo, a contracultura entra em cena.

Propõem-me uma viagem no tempo até 1965, os bem-amados Beatles já estão entregues, mas há vida para lá de Liverpool: a escolha, a alternativa, que foi também influência, não podia ser outra, neste tempo estival de Agosto de 2015, dois dos melhores álbuns rock – sim, rock – de todos os tempos, os álbum que Bob Dylan nos ofereceu em março e agosto de 1965.

Bringing it All Back Home (Columbia)
Lado A
Subterranean Homesick Blues
She Belongs to Me
Maggie’s Farm
Love Minus Zero/No Limit
Outlaw Blues
On the Road Again
Bob Dylan’s 115th Dream

Lado B
Mr. Tambourine Man
Gates of Eden
It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding)
It’s All Over Now, Baby Blue

Highway 61 Revisited (Columbia)
Lado A
Like a Rolling Stone Tombstone Blues It Takes a Lot to Laugh, It Takes a Train to Cry From a Buick 6 Ballad of a Thin Man
Lado B
Queen Jane Approximately Highway 61 Revisited Just Like Tom Thumb’s Blues Desolation Row

Que dizer de novo, que o leitor não saiba já, deste fantástico e memorável conjunto de canções?

Subterranean Homesick Blues, aprendam:
“You don’t need a weatherman To know which way the wind blows.”
Maggie’s Farm que anos mais tarde, na velha Albion, foi usada contra Margareth Thatcher
Love Minus Zero sempre que oiço este tema recordo a fantástica loja de discos em Londres, com o mesmo nome, o grande Bill Forsyth, onde comprei grandes tesouros em vinil, um dia enviei-lhe uma versão de Highway 61 Revisited de Moçambique que deu brado….
Mr.Tambourine Man o assombro, os Byrds, a harmónica…
It’s Alright Ma (I’m Only Bleeding) há que violentar o Sistema…
It’s All Over Now Baby Blue, uma das melhores canções de todos os tempos
Like a Rolling Stone, os seus mais de seis minutos de duração e o soberbo riff de Al Kooper (órgão) foram revolucionários em 1965, bons em 1975, excepcionais em 1985 e não perderam nada em 2015.
Desolation Row é uma das minha músicas preferidas de Dylan, aquela lírica… é favor recordar esses versos sublimes, por lá anda um tal Abel (e Cain).
Ballad of a Thin Man é um assombro de intenção com um refrão histórico, aquele Mr. Jones sempre me inquietou, e isso é bom, o desassossego da contracultura .
Highway 61 Revisited: os blues perdidos que, afinal, todos encontrámos.
Uma palavra para as fantásticas capas destes dois discos, Dylan e os seus ícones.
Neste Agosto quente 50 anos nos separam desse som que Dylan, o bom Judas eléctrico, nos legou em 1965. Bringing it All Back Home e Highway 61 Revisited ficam para sempre jovens no gira-discos… e sempre a rolar.

 

“Ces Gens-Là”, de Jacques Brel
por NUNO GALOPIM

Cresci numa casa em que, até chegarem os discos comprados por mim, o pop/rock se limitava à compilação “vermelha” dos Beatles e a dois álbuns dos Abba… Pelo contrário, além da vasta presença de música clássica, a representação de cantautores (sobretudo franceses) dominava as rodelas em vinil às quais me foi dado acesso muito cedo, com direito a um gira-discos portátil ainda antes de chegar à segunda classe. E entre os discos que desde logo passaram das estantes dos pais para o caixotinho que me acompanhava em todas as viagens estava um EP de Jaques Brel, com Le Plat Pays como tema central, cabendo contudo ao mais intenso e orquestrado Le Caporal Casse Pompom a faixa sobre a qual mais vezes lançava a agulha. Mais tarde, ao descobrir de fio a pavio a obra daquele que ainda hoje coloco entre os cinco maiores cantautores de sempre, essa face mais teatral da sua obra, definida antes mesmo das célebres interpretações quase de role-playing pelas sublimes orquestrações de François Rauber que definiam a arte final das canções, não deixaria de cativar atenções. E mesmo reconhecendo que caberá à etapa definida entre finais dos anos 50 e 1964 a criação do corpo mais marcante e popular da sua obra, o meu disco preferido de Brel foi Ces Gens-Là, originalmente um dez polegadas com seis canções lançado ainda em 1965, elevado alguns meses depois (já em 66) ao formato de LP (no mais “convencional” vinil de 12 polegadas), que então juntaria quatro novas canções.

Lançado em novembro de 1965, Ces Gens-Là definia um impressionante conjunto de canções de maior complexidade formal, revelando também ecos de uma escrita alimentada por novas leituras, entre as quais surgiam autores como Camus, Valéry ou Miller, mas também Jack London. A visão poética atinge aqui novos momentos de excelência, mostrando o tema-título um dos retratos sobre diferenças sociais de fulgor mais literário que a música já cantou.

A discografia de Brel já contava por esta altura inúmeros exemplos de um trabalho de invulgar visão algo cenográfica. Mas cabe aos seis temas que fazem o alinhamento deste dez polegadas (não destoando depois os quatro que se juntaram mais tarde para perfazer o LP) o mais impressionante conjunto de arranjos de Rauber, que vão desde o fôlego ibérico de La Chanson de Jacky, o travo de pequena filarmónica militar em L’Age Idiot ou a valsa circense de Grand Mère ao tom mais discreto dos pontuados para cordas em Fernand ou o fundo romântico que encena Les Desesperès. Isto sem esquecer o invulgar e assombroso trabalho que envolve as palavras em Ces Gens-Là que faz dessa uma das melhores canções de toda a obra de Brel.

Falar de Brel em 1965 obriga-nos a lembrar que, num ano que assistiu a um (bem sucedido) esforço de definitiva internacionalização da sua obra para além das fronteiras da francofonia, há a assinalar na sua cronologia duas datas em dezembro que correspondem a duas noites de sala esgotada no Carnegie Hall. Mais do que as memórias, opiniões e críticas de quem ali esteve, essa noite teve consequência maior pelo facto de, numa das cadeiras, ter estado Mort Schuman músico que, com Jerome ‘Doc’ Pomus, integrava uma equipa de escrita de canções que servira já as vozes de Elvis Presley, Ray Charles ou Andy Williams. Ele, que tinha já escutado discos de Brel, neles reconhecendo que ali havia uma voz viril que cantava temas invulgares, ficou definitivamente conquistado, dali partindo para a criação de uma série de traduções das suas letras para o inglês que levariam pouco depois a obra de Brel a um novo público anglófono. Entre os primeiros a reagir esteve Scott Walker, que entre 1967 e 69 gravou versões de nove versões de Brel. Mais tarde a ele juntaram-se nomes como os de David Bowie, Momus ou Marc Almond. 1965 foi, assim, o momento zero dessas outras vivências para uma obra de exeção.

 

Otis Redding, “Otis Blue – Otis Redding Sings Soul”
por VITOR BELANCIANO

Em 1965, Otis Redding, teve um sonho azul, a cor de todas as fantasias. Chamou-lhe, claro, Otis Blue, o seu terceiro álbum. No entanto o cantor da soul, que havia crescido numa pequena povoação do Estado da Geórgia, estava também empenhado em contribuir para que a realidade a negro e branco, na forma de segregação racial, abrandasse de uma vez por todas nos EUA.

Essa segregação sentia-se, inclusive, na indústria da música, com as tabelas de vendas a distinguirem entre brancos e negros. As listas anteriormente conhecidas como Race Records Charts haviam mudado para um denominação mais politicamente correcta (Rhythm & Blues Records Charts) mas a distinção racial estava lá.

Otis Redding cantava para atribuir identidade à soul e à comunidade negra. Em Março de 1965 havia lançado The Great Otis Redding Sings Soul Ballads e em Setembro seguir-se-ia Otis Blue – Otis Redding Sings Soul, com um naipe de grandes canções que expunham tanto de ternura como visceralidade.

Esse disco marcou um antes e um depois para a soul, com a interpretação transbordante de paixão de Otis a definirem o género. Antes já tinham sido lançados bons álbuns nessa linha, especialmente de Sam Cooke – a maior influência de Otis, que havia morrido em Dezembro de 1964 – mas a forma como ele cantava, num estado tão primário quanto carnal, eram únicos.

E depois havia o naipe de notáveis músicos da família Stax, como Isaac Hayes no piano – antes de se lançar a solo – Booker T. Jones nos teclados, Steve Cooper na guitarra ou Al Jackson Jr na bateria.

Ou seja, não só grandes executantes, como gente de nervo criativo, capaz de compreender na perfeição os rasgões vocais de Otis, proporcionando-lhe a necessária riqueza rítmica, o empenhamento emocional e o domínio no acompanhamento de uma voz que, na mesma canção, era capaz de ir do registo pianíssimo ao êxtase, agarrando o ouvinte pelos colarinhos com uma força inaudita.

Um quarto do álbum é composto por versões de Sam Cooke (como a fantástica balada A change is gonna come), havendo outras recriações que ficaram famosas, como (I can’t get no) Satisfaction (dos Rolling Stones), que ele terá ouvido pela primeira vez num pequeno intervalo das gravações, ou My girl (Smokey Robinson) e Rock me baby (B.B. King), onde atribui aos blues uma nova energia, qualquer coisa de mais intimo e intenso.

Na música soul, e na música popular em geral, haverá outros cantores mais dotados tecnicamente ou até com uma tonalidade vocal mais confortável. Mas a verdade é que poucos foram capazes de expor o mesmo tipo de vigor emocional que Otis Redding concretizou nesse disco, afirmando-se definitivamente nesse ano como uma das vozes maiores da soul e da consciência negra.

 

The Who, “My Generation”
Por FILIPE RODRIGUES DA SILVA

Há uns 25 anos – já o disco levava uns outros tantos de vida – este álbum entrou na minha vida e contribuiu de forma decisiva para a minha melomania. Num período em que as arcadas se dividiam entre as falanges Smithsianas e Curistas, os The Who – a par dos The Stooges, The Doors, Bowie, Beach Boys e Velvet Underground – ajudaram-me a fazer a ponte entre os movimentos culturais pré-punk e pós-Joy Division.

Mais do que os Beatles e os Stones, foram estas as linhas que me moveram, em cópias gravadas em cassetes que iam sendo passadas de mão em mão, gastando o crómio audição após audição, nos velhos leitores portáteis de cassetes. Outros tempos, em que a descoberta não se fazia a partir de downloads, a oferta de discos em vinil era escassa e cara, em que se herdavam discos dos pais, primos e irmãos, e em que não se saltavam faixas como quem pisca o olho.

Lançado no final de 1965, My Generation (The Who Sings My Generation na versão americana, ligeiramente diferente no alinhamento e conteúdo, editada em 1966) é ainda hoje um álbum de referência, com uma energia e uma fúria muito próprias. Rock directo, com canções curtas, associadas por diversas vezes ao movimento mod, num modelo pop que desconstruía as raízes rhythm and blues da banda britânica.

Amiúde, as versões de James Brown incluídas no disco são referidas como uma espécie de farol do registo, mas honestamente tanto I Don´t Mind como Please, Please, Please parecem objectos estranhos, de marketing temporal, inseridos num álbum musculado e vibrante e que tem momentos clássicos como My Generation, Out in the Street e The Kids Are Alright.

A produção de Shel Talmy (que trabalhara com os The Who nas anteriores vidas, alinhamentos e denominações do quarteto) foi importante para retirar do grupo o som cru que o diferenciava do cenário rock vigente. Guiada pelas composições, acordes e as distorções da guitarra de Pete Townshend, a loucura desenfreada e a alma aberta da dupla John Entwistle (baixista) e Keith Moon (baterista) e a dinâmica do vocalista Roger Daltrey – a estreia foi explosiva e histórica e a acompanhada de um quinto membro não oficial da banda: Nicky Hopkins, que tocou piano em quase todos os temas e que é um personagem histórico por ter trabalhado com praticamente todas as grandes bandas e músicos dos anos 60-70.

Os puristas preferem a versão mono original por captar os overdubs e a essência da envolvência sonora (e também pela capa, na qual Entwistle surge com um casaco que é uma bandeira do Reino Unido). As tardias remasterizações e edições especiais trazem faixas extras e participações de músicos convidados, como a de Jimmy Page. As preferências divergem nas versões eleitas, mas basta escutar a correria louca do ritmo e distorção de The Ox e o legado de Instant Party (Circles) (esta só disponível inicialmente na versão norte-americana) para perceber que ali se fez história.

O começo de uma carreira que rasgou fronteiras musicais e nos deixou registos como Tommy, Who’s Next (o meu álbum de eleição dos The Who e outro que rebobinou vezes sem conta no velhinho leitor de cassetes) e o fabuloso-como-se-deve-fazer-um-disco-ao-vivo Live at Leeds.

 

The Kinks “Kontroversy”
por MÁRIO LOPES

Seria um desperdício se uma capa como a de Kontroversy, tão imaculadamente composta, tão eficaz a captar a fluidez e energia do rock’n’roll no movimento daquela mão, a de Dave Davies, arrastada sobre as cordas da guitarra, ilustrasse um álbum menor. Felizmente, a música que guarda corresponde à imagem que a ilustrou em Novembro de 1965, data de edição do terceiro álbum dos Kinks.

Gravado quando a banda dos irmãos Davies já tinha reunido à ferocidade dos riffs de You really got me ou de All day and all of the night um estilo de vida equivalente (punhos erguidos nos camarins e caos nos puritanos Estados Unidos, o que lhes valeu a interdição da actuar em território americano), Kontroversy (o título alude a esse contexto) é um álbum em que os Kinks do rock’n’roll cru e directo e do r&b acelerado até à velocidade supersónica da British Invasion se começam a transformar, também, na banda que revelou em Ray Davies um cronista do quotidiano britânico nos antípodas dos sonhos de futuro da Swinging London. É o primeiro álbum dos Kinks com lugar reservado no panteão da música popular urbana.

Nele encontramos ainda as raízes blues, logo a início, com a versão de Milk cow blues cantada por Dave Davies. Nele está, em Till the end of the day, nova variação do riff seco, sempre irresistível, de You really got me, e está a estridência eléctrica do solo que encerra You can’t win, a última do álbum, porta aberta para as jams psicadélicas que não demorariam a chegar. Mas este é, também, o álbum em que se começa a manifestar de forma decisiva uma nostalgia e uma melancolia que os Kinks elevariam a obra de arte nos futuros Something Else e, principalmente, Village Green Preservation Society. Ouvimo-la na ternura acústica de Ring the bells, pressentimo-la até nesse suposto grito de autonomia intitulado I am free (Dave Davies novamente como vocalista principal) e apanhamo-la, sorriso nos lábios, quando passamos por esse magnífico pedaço de music-hall, versão arte pop, chamado I’m on an island.

A magia dos Kinks residia nessa capacidade de serem extraordinariamente modernos, definitivamente sintonizados com o seu tempo, enquanto, no mesmo movimento, suspiravam pelos despojos que deixara a chegada da modernidade. Let it be like yesterday, cantava Ray Davies na canção de Kontroversy que melhor representa essa tensão. Intitula-se Where have all the good times gone, e é uma pérola que David Bowie, sempre atento ao que interessa, resgatou para o seu álbum de versões Pin Ups.

Where have all the good times gone, perguntava então Ray Davies, num tempo em que todos se convenciam que os melhores tempos estavam, na verdade, mesmo ao virar da esquina. Ray Davies tinha meros 21 anos. Como não demoraria a comprovar-se sem hipótese de erro, já via mais longe. Kontroversy foi o disco em que o começámos a perceber. Ano: 1965.

 

John Coltrane, “A Love Supreme”
Por ISILDA SANCHES

Coisas extraordinárias aconteciam no jazz em 1965. È verdade que o ano foi quente em muitos aspetos, o fervilhar artístico, intelectual, político e social foi intenso, das manifestações em Selma, à mini sai de Mary Quant, de Help dos Beatles ao lançamento das primeiras versões do sintetizador Moog. Mas se houve género que exprimiu sem medo o espirito revolucionário dos tempos foi o jazz, que conseguiu libertar-se do concreto e lançar-se em viagem em múltiplas direções. Foi isso que deixou caminho livre para as tais coisas extraordinárias que se manifestaram na música de Sun Ra, Herbie Hancock ou John Coltrane, todos com discos emblemáticos lançados nesse ano.

A Love Supreme foi gravado no final de 1964 e lançado em 1965. É um daqueles discos de jazz com lugar cativo nas listas de melhores de sempre, o que podia até ser só efeito de contágio ou medo de desafiar a opinião perpetuada por gerações de críticos, mas não. A Love Supreme, um disco em 4 partes, fala até com aqueles que não dominam a linguagem do jazz e nem é preciso pensar em termos de 2015 porque este foi um dos discos de Coltrane que mais vendou ao longo da década de 60 (em 1970 já era disco de ouro) o que é notável tendo em conta a sua estranheza/estridência, mesmo no contexto revolucionário da época. A explicação só pode estar na sua própria natureza, que apesar de desafiante, consegue aquilo que afinal era a ambição de Coltrane: transmitir uma mensagem de espiritualidade.

No texto que acompanha o disco, Coltrane confessa-se: “Durante o ano de 1957 tive, pela Graça de Deus, um despertar espiritual que haveria de levar-me a uma vida mais rica, preenchida e produtiva. Nesse momento, em sinal de gratidão, pedi humildemente que me fossem dados os meios e a possibilidade de fazer os outros felizes através da música (…) este disco é um humilde oferta ao Senhor. Uma tentativa de dizer, obrigado Deus, através do nosso trabalho”. Coltrane, um génio, era um homem com muitos demónios. O ano do “despertar espiritual” de que fala, foi o ano em que decidiu largar a heroína que consumira sem restrições ao longo de quase 10 anos e A Love Supreme o momento final da libertação. Não temos que conhecer essa história para recebermos a mensagem e também não temos que ser crentes em nenhuma religião para sentirmos na intensidade da música de Coltrane, e em particular neste disco, uma manifestação de transcendência, de redenção atingida pela luta. Não é um disco fácil, mas é espantoso. Começa paciente com Aknowledgement, cresce para o frenesim de Resolution, em Persuance vibra energicamente e termina em serenidade com Psalm. Todas as faixas longas, dinâmicas, tornadas vivas por uma banda coesa e iluminada com Jimmy Garrison, (contrabaixo), Elvin Jones (bateria), McCoy Tyner (piano) e ainda participações de Archie Sheep e Art Davis. Tudo feito em 4 horas num estúdio mal ilumindado para recriar o ambiente de um clube. Coltrane procurava honrar o Divino e entregou-se com fúria e emoção, tendo do seu lado aliados com a mesma vontade de ir mais além no jazz e na espiritualidade. Se pensarmos em A Love Supreme como Oração, podemos vê-los como profetas.

Talvez a grande magia de A Love Supreme, mais do que mostrar a redenção de um músico, seja traduzir a inquietação de uma época, a América de 1965 e o seu turbilhão. A verdade é que, 50 anos depois da sua edição, este disco continua a desafiar e comover, revelando o caminho que une caos e harmonia e, acreditando em Coltrane, conduz à salvação.

 

Bob Dylan “Highway 61 Revisited”
Por JOÃO MORGADO FERNANDES

O epicentro desta história é a noite de 25 de julho de 1965, quando Dylan deixou metade da audiência do Festival de Newport eletrificada e a outra eletrocutada. Envergando um blusão de couro negro, e acompanhado por uma banda em que pontificava o guitarrista Mike Bloomfield, começou com uma versão fortemente eletrificada de Maggie’s Farm e, quando o público habituado ao folk acústico ainda tentava recompor-se, atirou-lhe com mais eletricidade e Like a Rolling Stone, gravada na semana anterior e cujo refrão era, naquele contexto, particularmente provocatório: “How does it feel?”. Sim, como se sentiam? Reza a lenda (parece que mesmo só a lenda) que Pete Seeger chegou a ameaçar cortar os cabos elétricos com um machado…
No espaço de pouco mais de um ano, Dylan lançou três discos que não deixaram nada de pé na música pop-rock: Bringing It All Back Home (março de 65), Highway 61 Revisited (agosto de 65) e Blonde on Blonde (maio de 66).

Se o primeiro ainda tinha um lado B completamente acústico, no segundo já só há uma canção sem eletricidade (Desolation Row) e o terceiro estabelece-se como obra-prima absoluta da sua carreira.

Confinar este movimento à eletrificação é, porém, altamente redutor. Com estes três discos, Dylan estabeleceu novos paradigmas para a música e estabeleceu-se a ele próprio como o mito indomável que se perpetuou pelas décadas seguintes. Abandonou o folk clássico dos primeiros discos, mas, acima de tudo, recusou ser o líder da geração contestatária que queria mudar o mundo. Dylan não queria mudar nada, nem a música. Foi ela que se deixou mudar por ele.

Se a eletricidade transformou radicalmente o modo como ouvimos Dylan, a grande revolução surgiu nas letras, sendo que, no seu caso, é apropriado falarmos em poemas. Este é o seu período marcadamente cínico – em vésperas do verão da paz e amor, não há uma única canção de amor, quanto mais de paz, em Highway 61 Revisited. E é também o seu período mais surreal, com versos de sentido múltiplo e frequentes referências mitológicas.
Like a Rolling Stone, que abre o disco, é considerada pela generalidade da crítica como a sua melhor canção (a melhor de sempre, para a Rolling Stone). É, na verdade, um autêntico manifesto de cinismo, desprezo e vingança, que, aliás, se repete na canção que encerrava o lado A do vinil: Ballad Of a Thin Man. E mesmo, embora num tom menos ácido, Queen Jane Approximately, que abria o lado B, e que musicalmente é quase uma continuação de Like a Rolling Stone.

Tombstone Blues é uma visão desencantada da América, que naufragava no Vietname e matava os seus melhores (Kennedy, Luther King) e Desolation Row é um longo épico cujo título diz tudo.

Os contemporâneos foram os primeiros a reconhecer que Dylan estava muito à frente de tudo o que se fazia na altura e que colocava constantemente o testemunho um pouco mais acima. Curiosamente, o caminho aberto por estes três discos acabaria trilhado por outros, porque ele próprio, após o famoso acidente de mota (em 66), isola-se e grava as famosas Basement Tapes, outra ruptura, da qual ainda hoje muita música é enormemente devedora.

No ano em que gravou Highway 61 Revisited, Dylan tinha 24 anos.
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The Byrds, “Mr. Tambourine Man”
por PEDRO DE FREITAS BRANCO

Quando era adolescente sonhei viajar no tempo. Primeiro destino, Londres, 1965, epicentro de uma Renascença Pop movida a canções do calibre de Satisfaction, Help, ou Like A Rolling Stone. Segundo, California, para curtir California Girls. Ficando-me por Lisboa, anos 80, longe da swinging London e de Hollywood, a porta para o mundo paralelo foram os discos.

O impacto de Mr. Tambourine Man foi imediato. Jim (Roger) McGuinn, Gene Clark, David Crosby, Chris Hillman, e Michael Clarke, “The Famous Five”, chegaram de Los Angeles e nunca mais me abandonaram. Descobri nos Byrds a conexão sonora que me escapava, algures entre Beatles e Bob Dylan. Fui apresentado ao folk-rock. O LP de estreia dos Byrds é o cruzamento perfeito da música Beat com as origens Folk da banda. E, além de revelar Gene Clark como singer-songwriter, confere apelo universal às composições de Dylan – quatro versões no disco. Mr. Tambourine Man, a canção, abre o album com a guitarra Rickenbacker 12 cordas de inspiração Mersey Beat (The Searchers/ George Harrison), a batida Spectoriana (Be My Baby/Ronettes), e vocalização desafiadora (Lennon e Dylan). Como em toda a boa arte popular, os Byrds são derivativos, porém, originais. A influência foi massiva. Logo em 1965, basta ouvir em sequência The Bells Of Rhymney (Byrds) e If I Needed Someone (Beatles) para entender o alcance. Sucederam-se discípulos: Big Star, Tom Petty & The Heartbreakers, Long Ryders, R.E.M… confesso, levo Mr. Tambourine Man sempre comigo, Não subo ao palco sem a Rickenbacker 12 cordas.

 

The Beatles “Rubber Soul”
por LUÍS PINHEIRO DE ALMEIDA

O ano de 1965 foi traumático em termos pessoais. Nascido e criado em Coimbra, então uma cidade de província, contingências da vida obrigaram-me a uma dramática transferência para Lisboa, capital do Império. Não poderia ter ocorrido tamanho choque cultural. Para trás ficara o sonho de frequentar a tão querida Universidade de Coimbra e de continuar as actividades desportivas na não menos querida Associação Académica de Coimbra.

Lisboa, Faculdade de Direito, todo um Mundo novo se abria à minha frente, sem que eu porém estivesse verdadeiramente interessado em entrar por essas portas. Mas o tempo acaba por aconchegar os sentimentos e o meu não foi caso único.

Coimbra tinha também como sinergia as férias grandes na Praia de Mira, a única grande praia, juntamente com a Figueira da Foz, que verdadeiramente conheci. A Praia de Mira significou também contacto com realidades muito diferentes das nossas pela convivência com as muitas, belas e jovens turistas estrangeiras, uma das quais, britânica, Leo Wilson de seu nome, me fez chegar às mãos o sexto álbum dos Beatles, Rubber Soul (1965), ainda hoje provavelmente o meu álbum preferido de sempre, pelas razões sentimentais que se inferem.

Os Beatles já iam no sexto álbum e praticamente ninguém ainda em Portugal tinha dado conta dos cinco anteriores, com as excepções prováveis das bandas sonoras de A Hard Day’s Night e Help!.

Não é demais sublinhar as débeis condições de vida dos portugueses à época, condições financeiras e democráticas. Um LP era um artigo de luxo a que poucos tinham acesso e ainda por cima era importado, ou seja, pouco abundante no mercado. Por isso, a indústria discográfica portuguesa dividia os LPs em EPs para os tornar mais acessíveis às bolsas depauperadas dos seus clientes.

Rubber Soul, pelas razões expostas, foi o meu primeiro álbum dos Beatles, uma razão acrescida para o colocar num lugar muito especial na minha paixão pela música.

E já lá vão 50 anos!

Para cumprir calendário – e apenas para cumprir calendário -, já que álbuns a sério só depois de 1 de Junho de 1967, passe o fundamentalismo, eis os 9 “menos maus” de 1965, sem ordem especial:

Take Me For What I’m Worth – Searchers
Out Of Our Heads – Rolling Stones
Cast Your Fate To The Wind – Sounds Orchestral
Ferry Cross The Mersey – OST
My Generation – Who
Beach Boys’ Party! – Beach Boys
Mann Made – Manfred Mann
Mr. Tambourine Man – Byrds
Kinda Kinks – Kinks

E faltam Bob Dylan, Animals, Dave Clark Five, Hollies, Herman’s Hermits…

Rubber Soul é o sexto álbum dos Beatles, mas, para mim, é “o” álbum dos Beatles. Não sei, nem me interessa, se é o seu melhor álbum, interessa-me sim que é o que tem maior significado emocional para mim.

Inclui, por exemplo, a canção que eu gostaria de ouvir no meu funeral, In My Life, mas também inclui duas das canções que acho menos conseguidas da dupla Lennon/McCartney: The Word e Wait, mesmo assim, melhores do que qualquer uma de Lionel Ritchie.

Foi o meu primeiro álbum dos Beatles, enviado directamente de Londres, à época, por uma amiga britânica. Tinha uns 18 anos. A primeira tarefa, depois de o ouvir, foi transcrever, à máquina de escrever (hélas!), todas as letras e por elas conhecer os meandros.

Até hoje, não mais parei de ouvir o LP e até as “duas menos conseguidas” me soam celestiais.

Ringo tem a sua primeira participação na composição de uma canção, What Goes On, George introduz o sitar no rock ocidental em Norwegian Wood, Paul canta em francês em Michèlle, John tem uma bela vocalização em Girl e nada disse sobre Drive My Car (disse-o, por exemplo, Bobby McFerrin), Nowhere Man (autobiográfica), Think For Yourself (de George Harrison), I’m Looking Through You”(sobre Jane Asher), If I Needed Someone”(outra de George Harrison que ouvi primeiro pelos Hollies), Run For Your Life (ainda hoje a cantarolo).

E tudo sem “Beatles” na capa e sem “Rubber Soul” no alinhamento!

Como eu te percebo, Brian Wilson!

2 Comments on Dez grandes discos de 1965 (10)

  1. Desconhecida's avatar Canalizador Aéreo // Agosto 5, 2015 às 12:46 pm // Responder

    Grande disco, embora não o melhor deles.

    Mas desde quando é que a The Word ou a Wait são piores que a What Goes On (soa a anos 50) ou a Run For Your Life (machista)?

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  2. Isilda: grande texto sobre A Love Supreme, de Coltrane. Do mesmo ano, aconselho-te Fire Music, de Archie Shepp. Porque é o disco em que melhor se percebe que o chamado ‘free-jazz’ só resultava no quadro de uma sólida superestrutura orquestral (o que não implica, claro, presença de orquestra), gerada por um músico tão sobredotado como Archie Shepp, propícia à actividade instrumental libertária mas consequente. Disco muito fácil de conseguir.

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