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007: Licença para recordar (3)

Com o novo “Spectre” já na linha do horizonte, reunimos uma série de “bondianos” que escolheram títulos essenciais da história de James Bond no cinema. E hoje passamos por “Skyfall”, recordado pelo Diogo Seno.

“Skyfall”
de Sam Mendes
por DIOGO SENO

Ao terceiro filme 007 com Daniel Craig, este novo ciclo da saga poderia começar a dar sinal de exaustão e falta de fôlego criativo. O actor trouxe, em Casino Royale, uma nova vida a um universo que já tinha ficado datado e inconsequente. O filme de Martin Campbell (que já realizara outro filme da saga, em Goldeneye) era um excelente filme de acção que trazia o afamado herói para o momento presente e actualizava a saga para os códigos do filme de acção de então. A empreitada resultou, não só pelo trabalho de Campbell atrás das câmaras mas também pelos actores: Daniel Craig a vestir com perfeição uma versão mais bruta, mas com um charme peculiar, da personagem, Eva Green enquanto a Bond Girl que transcendeu o papel subalterno a que estas personagens sempre foram votadas, e uma carga emocional estranha não só aos filmes da saga como aos filmes de acção em geral.

Com Sam Mendes atrás das câmaras, o que se podia esperar deste novo Bond era mais seriedade e um enfâse nas personagens. Estas expectativas foram frustradas e o filme surpreendeu onde menos se esperava. A narrativa tem de facto uma seriedade expectável, mas encontramos neste Bond um sentido de jogo, uma “autorreflexividade”, que não esperávamos de um realizador frequentemente sisudo como Mendes.

A narrativa, pouco criativa, tem laivos freudianos: um regresso às origens, tanto para Bond, como para M, com o vilão a desafiar estas personagens a enfrentarem-se com os fantasmas do passado. Javier Bardem, loiro, impecavelmente vestido, no limite de overacting e cartoonesco, é o ex-agente traído que procura vingança e põe em causa a existência do MI-6 e destas personagens em crise, não só pelas ameaças cada vez mais esquivas que pretendem lutar, mas também pelo sentido da sua existência num mundo supostamente cada vez mais transparente e que precisa menos dos seus serviços.

O filme percorre o itinerário habitual dos filmes da saga, com os indispensáveis momentos de product placement, jogos de sedução com as bond-girls e as cenas de acção.

Relativamente a estas, aqui reside uma das primeiras surpresas: Skyfall começa de forma frenética com um impressionante cena de perseguição que poderíamos encontrar noutro filme de acção contemporâneo e, à medida que avança, estas cenas vão ficando mais nocturnas e aproximando-se de um terreno mais coreografado que poderíamos encontrar em obras anteriores da saga. De resto, os piscares de olho e uma alargada sensação de homenagem a outros filmes 007, bem como a alguns clássicos do cinema, permeiam todo o filme (é a The Third Man que se pisca o olho na cena de perseguição no metro de Londres?).

O filme equilibra momentos camp, tão característicos da saga, com cenas mais sérias, a tentar fazer a ponte (possível) entre o universo datado da personagem e o complexo mundo presente, em que as maiores ameaças já não são identificáveis, mas vivem nas “sombras” (como sublinha M, a personagem interpretada por Judi Dench). É nesta alternância entre a seriedade e ironia que se vai desenrolando este capítulo, e de resto o filme não se coíbe de meter o prego a fundo no lado mais “fantástico” em determinadas cenas, que são as melhores: aquelas que se passam em Shangai, em Macau e nos campos escoceses.

E o que torna estas cenas tão memoráveis não é a sua relevância narrativa ou a adrenalina da acção mas o seu imaginário visual.

E chega-se finalmente ao aspecto que torna este Skyfall definitivamente distinto: o trabalho do director de fotografia, Roger Deakins. Já há muito que Deakins se afirmou como um dos mestres do cinema contemporâneo, mas o trabalho dele atinge aqui um patamar de sofisticação e riqueza visual surpreendentes, sobretudo num filme de acção como este.

Da iluminação irreal e futurística de Shangai, que parece saída de um filme de ficção científica, com os seus neons e arranha-céus, onde a coreografia da cena de acção se aproxima de uma dança de luz, sombras e reflexos, às oníricas ilhas, no casino em Macau, com as lanternas e os barcos a flutuarem na água, dragões de papel e dragões reais a definirem o tom ameaçador, à ilha abandonada e em ruínas onde o herói se encontra pela primeira vez com o vilão, aos enevoados campos escoceses, a perder-se de vista, onde numa casa saída de um romance gótico as personagens se vão encontrar com o seu passado (e é de resto um prazer ver contracenar Craig, Dench e Albert Finney), abundam no filme momentos de arrebatamento visual. No confronto final, as personagens já são apenas silhuetas negras contra um fundo amarelo, laranja e vermelho, do fogo que consome o campo que circunda a casa onde James Bond nasceu. É deste momento primitivo, de confronto à antiga, que renasce a personagem, dúvidas dissipadas e ciclo fechado, pronto a continuar as suas aventuras num mundo que estava prestes a descartá-lo. Fica-se à espera para confirmar se Mendes estará à altura da promessa que fez, quando Spectre estrear lá mais para o fim do ano.
 

“Ao Serviço de Sua Majestade”
(On Her Majesty’s Secret Service),
(1969), realizado por Peter R. Hunt

por JOÃO SANTANA DA SILVA

O filme começa da melhor maneira. O MI6 em busca de um dos seus agentes mais mal-comportados, Miss Moneypenny a encobrir as liberdades tomadas por esse agente e, enquanto tudo isto se move sob stress, 007 passeia-se pela linha de Cascais, em Portugal, na sua própria operação de busca e salvamento: uma jovem misteriosa (a bela Diana Rigg, que também ficou célebre no seu papel na série Os Vingadores) que o ultrapassa na estrada, se tenta suicidar e o atrai involuntariamente para uma cena de pancadaria em plena praia. Cena que está, francamente, entre as melhores sequências de ação deste franchise e que diz logo ao que vem George Lazenby na sua reencarnação de Bond, James Bond: duro mas descontraído, com menos falinhas mansas mas também menos cínico do que era costume com Sean Connery. “This never happened to the other fellow”, diz ele. Pois não.

Lazenby, um ator australiano ainda a meio de uma transição para o mundo do cinema, pegou em Bond e fez dele um homem mais ágil e aparentemente preparado para lutar contra qualquer um. É credível a dar um murro mas também a levar uns quantos. Aliás, foi sobretudo essa a razão pela qual a produção o escolheu nas audições. Embora fosse um ator medíocre, tinha a aura de uma estrela e parecia mesmo um tipo que sabia cuidar de si mesmo. Ao mesmo tempo, revelou um fundo mais sensível no agente, um “coração mole” que outros pegariam de diferentes maneiras nas décadas seguintes (à exceção de Pierce Brosnan, que não seguiu a deixa de todo). É esse “coração mole” que Sean Connery recusava como sendo característica dominante do James Bond mas que Lazenby achou essencial para revelar como o agente secreto, que era indomável pela rainha e pelos inimigos, escondia, na verdade, um homem vulnerável que raras vezes dá o peito ao manifesto. E quando o faz, invariavelmente, todos sofrem. Incluindo ele.

Um facto interessante é o de que este Bond não deixa de ser politicamente incorreto. Ao pedir informações à condessa di Vicenzo (a bela Diana Rigg… eu já disse que era bela?), não hesita em dar-lhe umas chapadas até descobrir a verdade. Hoje em dia seria escandaloso. Nos anos 60 era só mais uma técnica de Q&A. Tal como Draco (Gabriele Ferzetti, que então tinha acabado de aparecer no ecrã em Aconteceu no Oeste, de Sergio Leone), o próprio pai da condessa, que diz a Bond: “Do que ela precisa é de um homem que a domine!” Ah, os sixties…

Baseado no livro homónimo de Ian Fleming, Ao Serviço de Sua Majestade (On Her Majesty’s Secret Service ou, entre os fãs, simplesmente OHMSS) foi o sexto filme da saga, o primeiro (e último) com George Lazenby e o primeiro sem Sean Connery. Produzido por Broccoli e Saltzman, com argumento de Richard Maibaum (que já vinha a colaborar desde Dr. No), talvez seja a banda sonora um dos seus pontos mais altos, quando comparado com outros. O tema original e eletrizante de John Barry (pessoalmente, um dos meus temas favoritos de sempre do cinema) logo no genérico e depois nas sequências de ação e a escolha de We Have All The Time in The World trazida pela voz de Louis Armstrong (mas composta também por Barry, com letra de Hal David) para as cenas românticas são dos que mais eco deixam na memória de quem vê o filme. Já Telly Savalas, memorável noutras pérolas como The Dirty Dozen ou Kelly’s Heroes, é um rotundo erro de casting como um Blofeld másculo, com esteróides e capaz de sujar as próprias mãos nas perseguições (físicas) a 007.

Por fim, Lazenby foi e mantém-se o grande ponto de interrogação do filme. Vários fãs veem-no como um excelente Bond, mas, por razões que a própria razão desconhece, parece um intruso no franchise. Não tanto porque não tinha currículo anterior (Sean Connery também era apenas um inveterado canastrão meses antes de ter sido escolhido pela Eon Productions), mas mais porque não continuou até se tornar familiar para os fãs de James Bond. A razão da separação estará no tratamento que a produção lhe terá dado, segundo o próprio ator, que se sentiu estupidificado. Alguns colegas, incluindo Rigg, queixaram-se, uns anos depois, da falta de humildade. Mas Lazenby, que decidiu ele mesmo abandonar o papel que o poderia ter tornado uma estrela como Sean Connery, justificou-se simplesmente com a incapacidade de continuar a desempenhar o papel de um bronco misógino e estereotipado. Talvez tenha sido injusto com o James Bond de OHMSS. Mas, justiça poética, a crítica acabou por ser injusta também com ele. Ainda assim, volvidos mais de quarenta anos, adquiriu o estatuto de filme de culto na história dos Bonds. Pelas cenas de ação e pelo final, é merecido.

 

O Bond “rebelde” de Sean Connery
“Nunca Mais Digas Nunca” (1983)

por EURICO DE BARROS

“Bond contra Bond”, titulava a imprensa da época. É que em 1983, paralelamente ao anúncio da estreia de mais um filme da série James Bond com Roger Moore no papel principal, 007-Operação Tentáculo, era também revelado um filme “rebelde” do maior agente secreto de Sua Majestade, Nunca Mais Digas Nunca, com Sean Connery de regresso à personagem que tinha legado àquele após 007-Os Diamantes são Eternos (1971), o seu último filme enquanto 007.

Assim intitulado porque depois de rodar 007-Os Diamantes são Eternos, Connery tinha dito à mulher que “nunca mais” faria outro James Bond, Nunca Mais Digas Nunca recupera a história de 007-Operação Relâmpago (1965), a única cujos direitos não pertenciam na altura à Eon (a produtora fundada por Albert R. Broccoli e Harry Saltzman e que possui o exclusivo da marca James Bond), e sim ao argumentista e produtor Kevin McClory, amigo pessoal de Ian Fleming e co-autor, com este e Jack Wittingham, do enredo original da fita.

McClory contratou como realizador o experientíssimo Irvin Kershner, que três anos antes havia assinado O Império Contra-Ataca para George Lucas, e esmerou-se para cumprir à risca o cânone bondiano, bem escorado num Sean Connery em boa forma, parecendo que tinha abandonado 007 cinco minutos antes e não há 12 anos, encabeçando um elenco de primeira água: Max von Sydow como Blofeld, Klaus Maria Brandauer como Maximilian Largo, Edward Fox como M, Barbara Carrera como Fatima Blush e Kim Basinger no papel de Domino. Foi também o primeiro filme de Rowan Atkinson, num diplomata ridículo chamado Small-Fawcett.

Este Bond “rebelde”, estupendamente espectacular e muito menos “brincalhão” que os de Roger Moore, foi promovido no Festival de Cannes de 1983, tal como 007-Operação Tentáculo. Para grande gáudio de Connery e Moore, velhos amigos que posaram para os fotógrafos de costas um para o outro ou fingindo ir chegar a vias de facto. Os fãs da série foram ver os dois filmes, que lucraram ambos para cima de 150 milhões de dólares em todo o mundo. E depois, finalmente, Sean Connery “nunca mais” voltou a ser James Bond .

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