O tiro ao lado de James Bond
Texto: NUNO GALOPIM
James Bond não é infalível. E não por poucas vezes atirou para bem fora do alvo. Basta recordar a escolha de Timothy Dalton para suceder a Roger Moore em finais dos anos 80 (se bem que seja mais frequente apontar George Lazenby como o caso de mais duvidosa pontaria no casting, caso que na verdade não é assim tão unânime, mas opiniões são opiniões). Para 2015, e enquanto não chegam mais imagens de 007 Spectre, é da música que podemos ir falando. E a verdade é que, por mais inconsequente que tenha sido aquela ocasião em que Chris Cornell foi chamado para dar voz à canção que serviu de voz a Casino Royale (há alguém que não seja fã do cantor ou da sua banda e se lembre da canção?), a verdade é que a Sam Smith pode caber contudo o troféu da pior canção de sempre ao serviço de James Bond (mesmo tendo a sua canção tudo para trepar nas tabelas, mas isso hoje em dia está longe de ser indicador de referência para o que quer que seja).
O arranjo segue o cânone orquestral há muito definido pelas canções e partituras orquestrais criadas para a série, com marcas claras da memória de uma certa assinatura registada ainda nos anos 60 por John Barry. Mas a canção é uma balada banal de dieta nas ideias, ao nível daquelas sem pujança autoral que tantas vezes desfilam quase anónimas para serem esquecidas no dia seguinte em cenário eurovisivo. Mas o pior mesmo é aquela vocalização sensaborona, no quadro de um modo de cantar despido de personalidade capaz de alinhar, entre milhares, nos livros de estilo tão em voga nos programas contemporâneos de “talentos” televisivos (a incisiva crítica no Guardian sublinhou já esta lógica seguidista de modelos da TV atual, referindo em concreto o X Factor). Mais televisivos que talentos, note-se. Que raio de mania é esta de achar que só assim é que se canta? Que tal a cada um o desafio de achar o que há de diferente e único sua voz? E que tal deixar a quem sabe (e pode) achar essa “voz” única o papel de cantar, voltando os copy cats ao bom e velho karaoke?
Writing’s on the Wall é uma magra consolação para muitos que, filme após filme, esperam que novos clássicos se juntem a uma história de grandes canções entre as quais estão temas como From Russia With Love de Mattt Munro, Goldfinger de Shirley Bassey, You Only Live Twice de Nancy Sinatra, We Have All The Time in The World de Louis Armstrong, Nobody Does it Better de Carly Simon, A View To a Kill dos Duran Duran, Licence to Kill de Gladys Knight ou Goldeneye de Tina Turner, conjunto versátil ao qual Adele se soube juntar no anterior Skyfall. Note-se que não há neste cânone um medo em experimentar novas soluções, como o fez Paul McCartney em clima elétrico em Live and Let Die ou Madonna, com electrónicas angulosas, em Die Another Day… O cânone Bond não é coisa fechada, antes pelo contrário. Mas há um fôlego, uma carga dramática, que caracteriza estas canções. E Sam Smith, aí, falhou o alvo. E com ele, James Bond errou desta vez a pontaria.
James Bond por vezes engana-se, de facto. Em 1997, por exemplo, o soberbo Surrender, de k.d. Lang foi preferido em favor do menos suculento e meramente funcional Tomorrow Never Dies de Sheryl Crow. Sam Smith é um jovem artista britânico em tempo de afirmação, com cartas a jogar num novo patamar da sua internacionalização, e poderá dar a 007 o seu tão desejado (e nunca concretizado) número um no Reino Unido. E aí há argumentos em favor da sua escolha. Mas a canção fica aquém do esperado. De facto, até aqui o número um chegou, mas nos EUA, com os Duran Duran. E o número dois, em “casa” ficou também por A View to a Kill, posição igualada há três anos por Adele. Madonna, em 2002, chegou ao número 3.
Mas escutem a nova canção e sentirão que, ao contrário de tantas outros clássicos que fazem esta história, de Writing’s on the Wall pouco haverá para lembrar no futuro… Que no resto do filme a pontaria seja melhor!
Deixe uma Resposta