O ‘flirt’ mais pesado de David Bowie
Texto: NUNO GALOPIM
Editado em 1970, The Man Who Sold The World tem resistido aos anos, sobretudo pela forma como foi apontado como determinante influência por nomes como Boy George ou Kurt Cobain, este último tendo assinado, com os Nirvana, uma soberba versão do seu tema-título, que ficou registada no álbum Unplugged in NY dos Nirvana, editado já depois da sua morte. Já agora, vale a pena lembrar que há mais versões interessantes desta canção, outra delas gravada em 1982 por Midge Ure, numa das suas primeiras experiências a solo. Por seu lado, After All parece definir as bases de uma estética fúnebre, lúgubre, herdada e assimilada, dez anos depois, pela emergente sub-cultura gótica. Um álbum relativamente discreto e sem particular descendência na obra do próprio Bowie transformou-se, assim, numa peça influente entre vários herdeiros seus.
É um disco de algum desnorte no rumo musical e de tensão e intensidade nas palavras, resultado de um período de acontecimentos ainda mais tumultuosos do que os que os que haviam conduzido a Space Oddity. O casamento com Angie (e o aparente alheamento criativo que se seguiu imediatamente), a ruptura com Pitt (e o início da parceria com De Fries) e, sobretudo, o acentuar da doença psiquiátrica que afectava o seu irmão Terry são subtexto privado que emerge nas entranhas de um álbum por vezes psicótico, entregue a relatos e reflexões sobre paranóia, comportamentos maníaco-depressivos, alucinações, crises místicas e expressões violentas de erotismo.
Musicalmente, o disco reflecte a evidente presença de uma nova banda, sobretudo o protagonismo do guitarrista Mick Rock, então visivelmente encantado pelo som dos Cream. Este é o mais “pesado” dos discos de Bowie (até à chegada dos Tin Machine), denunciando em certos momentos (como em Running Gun Blues ou She Shook Me Cold) alguma curiosidade pela emergente estética heavy, particularmente os Led Zeppelin, caminho que o álbum seguinte interromperia súbita e assertivamente. O “caso” mais célebre envolvendo este disco deve-se à ousada opção de Bowie pela criação de uma capa “caseira” na qual se apresenta fotografado num sofá da sua casa (a mítica Haddon Hall), envergando um vestido… A edição americana, todavia, evitou esta capa. Mas não por um receio de usar a imagem que entretanto fez história. Na verdade, a edição americana foi lançada muitos meses antes da inglesa, e com o cartoon que, inicialmente Bowie tinha encomendado…
Imagens de uma atuação, em 2000, gravada num estúdio da BBC.
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