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E foi assim que Bowie começou a… mudar

Texto: NUNO GALOPIM

Editado em 1971, o álbum “Hunky Dory” abria novos desafios à música de David Bowie. Tomando “Changes” por mote, passou a levar a sugestão da canção a rigor. E depois foi o que se viu…

E chegou o momento da “mudança” (literalmente). A primeira edição de Bowie para a RCA, foi, tal como os singles imediatamente anteriores, um flop… Mas deixava no ar uma ideia nova. Houve quem mais tarde falasse de um manifesto. E a verdade é que, ao descobrir as potencialidades que a noção de mudança dá ao artista, Bowie encontrou um caminho. Falamos de Changes, o primeiro tema do alinhamento do álbum Hunky Dory (editado em finais de 1971) a ser lançado no formato de single (já em inícios de 1972). Gravado com as colaborações de músicos como Mick Ronson (guitarra) e Rick Wakeman (piano), Changes fala de mudança não apenas na letra mas na própria forma de apresentar o material musical, mudando inclusivamente de tempo e tom alargando, como nunca até esse momento, os horizontes de desafio pela sua frente (abrindo portas a uma série de ousadias formais que dele fariam pouco depois um dos mais visionários dos nomes da linha da frente da música popular).

Um dos mais celebrados discos de David Bowie, Hunky Dory era então tudo menos o que se imaginara como sucessor para The Man Who Sold The World. Uma banda nova (que mantinha apenas a presença do guitarrista Mick Ronson), um novo produtor (Ken Scott), uma nova orientação musical nascida de canções essencialmente compostas ao piano. E, acima de tudo, uma mudança significativa na agenda temática convocada. Este era um disco de catarse, tendo Bowie mais tarde descrito a personagem que aqui vestiu como a sua própria projecção no hipotético sofá de um psicanalista. Um disco libertador, ponto de viragem (e de nova partida) que se provaria episódio fulcral na sua história musical.

O curto hiato entre The Man Who Sold The World e Hunky Dory assistiu a mudanças determinantes. Mais ch-ch-ch-changes… Tony de Fries conseguia um novo contrato, mais vantajoso, com a RCA. Bowie leu Nietzsche e gravou dois singles, incógnito, com a banda Arnold Cons (e quase ninguém deu por eles). Angie e o novo amigo, o exuberante estilista Freddi Burretti, incentivavam novas e mais ousadas atitudes, que a passagem do musical Pork pelos palcos de Londres definitivamente catalisou. Marcante é também um fascínio pela América, que se revela em referências concretas a alguns dos seus heróis, nomeadamente Andy Warhol (no tema com o mesmo nome), Lou Reed (em Queen Bitch) e o cinema (a fotografia da capa denunciando esta relação). Neil Young é outra das influências evidentes, nomeadamente no magnífico Kooks, tema que Bowie compôs no dia em que nasceu o seu primeiro filho, Duncan Zowie.

Hunky Dory é, salvo em dois pontuais episódios eléctricos, uma sumptuosa e eloquente exposição de belíssimas canções acústicas, de arranjos (assinados por Bowie e Ronson) que frequentemente destacam a presença do piano (novamente Rick Wakeman, que já colaborara em Space Oddity) e das cordas. A riqueza textural do disco herda, claramente, ensinamentos colhidos por Ken Scott que, meses antes, trabalhara com George Harrisson no monumental All Things Must Pass.

É aqui que surge Life on Mars?, um dos clássicos maiores da obra de David Bowie. Tudo nasceu com uma canção clássica. Bowie terá criado (mas nunca gravado) uma letra para Comme d’Habitude, a mesma canção de Claude François e Jacques Ravaux que Paul Anka adaptaria numa outra versão a que chamaria My Way e que Frank Sinatra elevaria depois ao estatuto de verdadeiro standard. A génese de Life On Mars? deverá assim residir uma vontade em fazer, de raíz, uma canção que caminhasse num patamar semelhante. Com a ajuda da linha de piano interpretada por Rick Wakeman e um inesquecível arranjo de cordas assinado por Mick Ronson, Life on Mars? surgiu originalmente no alinhamento de Hunky Dory. A edição no formato de single surgira apenas em 1973, numa altura de consagração de um estatuto de fama global e num tempo em que o álbum Aladdin Sane era o seu mais recente lançamento no formato de LP. A fama global escutou Life on Mars? com mais atenção que nos dias de Hunky Dory e o single tornou-se num dos seus clássicos.

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