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E David Bowie reinventou-se mais uma vez!

Texto: NUNO GALOPIM

Os teasers e o trailer do teledisco tinham desde logo sugerido que algo completamente diferente poderia acontecer. E agora, ouvida a nova canção e visto o respetivo teledisco, fica a certeza: Bowie voltou a surpreender.

Menos de dois anos sobre o lançamento do álbum The Next Day e um após a apresentação do single Sue (Or in a Season of Crime), a chegada de Blackstar deixa por um lado evidente que, após os dez anos de hiato, David Bowie retomou o seu ritmo habitual de trabalho. E mesmo sendo pouco provável que algum dia volte a fazer digressões, a ideia de que pode criar novos discos (como o que apresenta em janeiro) ou mesmo outros projetos (como o musical Lazarus, que está aí a chegar), devolveram-no a rotinas que garantem assim novas pistas a uma das mais ricas, versáteis e influentes obras da história do universo pop (e arredores). Blackstar (que se anuncia com o símbolo de uma estrela negra de cinco pontas) traz contudo um elemento novo a todo este jogo de acontecimentos. Ou, melhor, retoma uma ideia que lhe garantiu vários episódios de ousadia, surpresa e visão: a reinvenção.

The Next Day, editado em inícios de 2013, era um soberbo manifesto de escrita de canções de fôlego rock’n’roll – plenas de alusões a etapas anteriores e ricas em autorreferenciação. A surpresa, nesse reencontro após dez anos de silêncio, fez-se pelo regresso em si. E pelo tom inesperado como aconteceu, o que não nos impede de reconhecer ali o seu melhor disco centrado no trabalho das guitarras desde os dias de Scary Monsters (1980) e de ter, em canções como Where Are We Now? ou The Stars are Out Tonight dois clássicos a inscrever na lista dos grandes momentos da sua obra. Há um ano Sue (or in a Season of Crime) desviava o foco da criação para terrenos mais próximos do jazz. Ao chamar músicos da orquestra de Maria Schneider e ao tomar o saxofone (na verdade o instrumento primordial de Bowie) como novas peças a explorar, transgrediu a forma mais classicista da canção pop/rock e lançou pistas num tema que serviu para mostrar que a história então evocada numa nova antologia não vivia apenas do passado. Mas ficava a dúvida. Era esta nova canção uma mera experiência pontual ou, antes, uma ponte para qualquer nova realidade? Agora, um ano depois, sabemos que esta última hipótese estava certa.

Tal como o que ficara sugerido nos primeiros teasers e trailer do teledisco, Blackstar volta ostensivamente as costas às experiências do disco anterior. Não é de todo uma novidade em Bowie, bastando confrontar Scary Monsters com Let’s Dance. Ou Earthling com hours… Isto para nem mergulhar nos anos 70, onde a novidade acontecia de forma ainda mais intensa.

Os sintetizadores lançam os fundos, a voz navega quase como que flutuando sobre os ambientes (e aqui podemos falar de familiaridade com caminhos recentes da obra de Scott Walker), os fundos rítmicos herdam ecos das experiências de meados dos noventas, porém sem aquela necessidade em seguir as pistas do presente drum’n’bass como se escutou em Earthing (que o tempo acabaria por reconhecer como um disco datado). Tensa e assombrada, a canção vai evoluindo, abre caminho a outras partes, desenha a meio um momento de classicismo que quase nos faz recuar a ecos de inícios dos setentas, retomando depois o tema de abertura e resolvendo, dez minutos depois, a canção com um sentido de arrumação que denota uma peça bem estruturada. Os músicos de jazz (os mesmos que colaboraram em Sue, estão de volta, pontuando instantes e ajudando a desenhar o cenário. Mas desta vez há uma outra ordem na condução das partes e formas da canção. Sem repetir os caminhos e sonoridades de Station to Station, mas com alguma familiaridade com o modo como, ali, Bowie tinha já mostrado uma capacidade para criar uma peça vocal mais elaborada, extensa e cénica e tematicamente intensa.

É cedo ainda para falar do álbum. Que, é sabido, chega a 8 de dezembro. Mas David Bowie dá-nos aqui não só a canção mais arrepiante que escutámos este ano. Como se mostra uma vez mais capaz de responder, em pleno, à velha máxima dos Monty Python, quando nos anunciam que aí vem algo completamente diferente. E assim foi!

“Blackstar”, de David Bowie, está disponível em todas as plataformas digitais de streaming e dowload.

1 Comment on E David Bowie reinventou-se mais uma vez!

  1. é mesmo inegável… reiventou-se mesmo, mais uma vez.
    este trabalho acaba de se tornar no que mais gostei até agora de David Bowie, Sem dúvida… Fiquei apanhado por este Blackstar! O album ainda não foi lançado… São 10 minutos certos… e a música vai mudando como uma rapsódia. David também toca sax. Durante esses 10 minutos a música vai mudando de textura… entra e sai bateria entre mais instrumentos e sons… entram sons e sentimentos estranhos e belos… etérios como eu gosto.. do sonho fora do mundo. Ao minuto 4:40 a música fica tão bela e emocional.. tão Soul… Estou apaixonado por isto.. depois ganha crueza novamente.. Inquietante.. inquietante.. tongue emoticon identifico-me 200% com isto!! Quero mais!! Preciso!
    Com que então o album sai a 8 de Janeiro?…. Hmmm é então uma prenda de aniversário a ele mesmo??…. Sim… David Bowie faz anos nesse dia.

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