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Grimes do outro lado do espectro

Texto: ANDRÉ LOPES

Depois da introversão caseira que fez do projeto de Claire Boucher um grande foco de atenção nos últimos anos, chegou o momento de pensar sobre a vitalidade de Grimes.

Durante 2012 vimo-la tornar-se um foco múltiplo: de interesse, de paixão e de opinião. Visions exigia um parecer por parte de quem escutava, sem necessitar contudo de reflexões particularmente profundas – algo que de resto se coaduna com a estética desse álbum. Fruto da pressão para terminar uma obrigação contratual dentro do prazo, o disco terá sido criado ao longo de três semanas de clausura que Claire só partilhou com o software que lhe permitiu construir as canções. A experiência teve bons resultados e ao terceiro álbum, Grimes atraía a atenção generalizada pelo fantástico passeio que conseguiu propiciar entre a darkwave e a synthpop.

Desde então a expectativa não dissipou e os singles Go e Realiti não permitiam grandes conclusões, antes um reforço de antecipação face à próxima obra definitiva. Art Angels é apresentado agora por via de uma clara mudança de perspetiva: se até Visions tinha vindo a ser aprimorada uma sonoridade (e estética) pela qual se possibilitava uma abordagem soturna à dreampop e aos sintetizadores, o presente é ofuscante. Logo desde a capa do novo disco, passando pelo teledisco de Flesh without Blood/Life in the Vivid Dream torna-se, depois de inesperado, evidente – muita da aura noturna na qual as canções de Grimes tinham habitualmente lugar fora substituída. Luz, cores garridas e uma afinidade desinibida com a melodia instantaneamente acessível percorrem todas as faixas de Art Angels de forma quase inacreditável.

Depois de uma canção introdutória enganadora (ouvem-se cordas, piano e um registo quase lírico da voz de Claire), é com California que a matriz principal do álbum se torna clara. Uma descontração que é perfeitamente percetível a quem ouve deixa-se sentir de forma linear pela junção de tantas camadas de som em simultâneo: sintetizadores, manipulação eletrónica, vozes agudas, guitarras (!) e ritmos metálicos que pontuam uma qualquer dança bem ritmada. É eventualmente exacerbado e tudo isto acontece nos primeiros cinco minutos de Art Angels, que faixa após faixa tenta consecutivamente consolidar uma personalidade artística por via de uma exibição de capacidades, ferramentas e formas de tratar a melodia. SCREAM é de uma carnalidade tal que encontrou num tão repetível riff de guitarra o melhor contexto para o rap de Aristophanes e os gritos de Claire. No momento seguinte, Flesh without Blood perfaz um romance quase perigoso com a pop do início o século que virá a culminar no refrão mais aprazível de todo o repertório de Grimes. Isto até surgir Kill V. Maim, a faixa que constitui um quase guia para a canção pop perfeita: com uma introdução que aborda o sintetizador de acordo com uma dinâmica pouco afastada do que é possível fazer com eletrónicas de 8 bits, a faixa prossegue num frenesim de som que só termina após uma continuada libertação de energia que queremos repetir vez após vez.

Se parece caótico por escrito, a audição não deixa dúvidas. Claire é capaz, consegue e não se antecipam pausas. Se até (e com) Visions poderia ser questionada a unidimensionalidade do som de Grimes, Art Angels faz de tudo para garantir que assim não é, que existe muito mais. Por vezes pode tornar-se excessivo, contudo para fazer dissipar o aparente cinismo de World Princess Part II ou Butterfly é necessário dedicar tempo às canções. Este é o álbum em que a sua autora assume a habilidade para a escrita de pop realmente melódica, mas mais do que isso, Art Angels deixa assente a potencialidade de Claire Boucher enquanto produtora: todas as faixas do álbum são aparentemente fáceis de seguir, contudo uma audição atenta revela vários pormenores, samples e apontamentos sónicos rebuscados. De forma luminosa, este será o álbum que traduz um ponto de rutura com o passado de Grimes, em simultâneo com a confirmação de um talento que se mantém promissor.

Grimes
“Art Angels”
4 AD / Popstock
4 / 5

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