Como os animais nos ajudam a contar a nossa história
Texto: NUNO GALOPIM
Havia em tempos um “pátio dos bichos” em Belém, onde animais exóticos trazidos de outras geografias podiam ser contemplados pelos lisboetas e por aqueles que visitavam a cidade, causando sempre grande espanto. Surpresa pode ter sido, para muitos, a presença de um elefante numa embaixada papal enviada pelo rei D. Manuel I. Não menos invulgar será o facto de D. Afonso VI ter tido um leão… Estas são algumas referências de um olhar sobre a história portuguesa que se apresenta em Animais e Companhia na História de Portugal, um extenso volume com mais de 600 páginas coordenado por Isabel e Paulo Drumond Braga, que o Círculo de Leitores apresentou na reta final de 2015.
A historiografia dos animais em Portugal tem como referência um trabalho pioneiro de Oliveira Marques dedicado aos gatos. Lançado nos anos 90, Para a História dos Gatos em Portugal abriu horizontes de investigação que este livro tenta agora percorrer em várias frentes, observando ecos, narrativas e representações da presença e convivência dos portugueses com os mais diversos animais ao longo da história.
Entre os processos da inquisição, relatórios de gastos da casa real, inventários de bens, testamentos e outros documentos escritos surgem elementos que contribuem para a construção de uma história a que não é estranha também a observação de várias formas de criação artística, sobretudo a pintura e azulejaria.
Imagem de uma cena de vida rural, com animais,
do livro de Horas de D. Fernando
Dos hábitos mais remotos de pastorícia e caça à criação de uma relação doméstica de companhia (que é muito recente), passando pela forma como as descobertas e expansão marítima alargaram depois do século XV a nossa relação a muitas mais espécies, o livro não deixa de observar também as histórias mais utilitárias, quer no domínio da alimentação (e vale a pena ler as receitas de como conservar o peixe fresco bem antes da chegada dos frigoríficos ou compreender a nossa relação antiga com a sardinha e o bacalhau) como na sua utilização como força de carga e de trabalho (e até mesmo de guerra).
Há ainda olhares sobre os cuidados históricos da saúde pública para com animais associados a doenças, assim como percursos através do tempo pelas formas como a magia, a bestialidade deram azo as outras relações com os bichos. E refere ainda a tourada no quadro da história portuguesa, lembrando como reis como D. Pedro II ou D. Miguel tinham particular interesse por este espetáculo.
A etapa final do livro traça caminhos de cruzamento das artes, sobretudo a literatura, pintura, escultura e cerâmica. E neste bloco final dedicado à criação artística, é pena que quem pensou o livro não se tenha lembrado de olhar para o cinema e para a música como espaços de potencial contribuição para a construção desta história que aqui se conta.
“Animais e Companhia na História de Portugal”
com coordenação de Isabel Drumond Braga e Paulo Drumond Braga
Círculo de Leitores (2015), 656 páginas
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