Quando as assombrações são coisa de encantar
Texto: NUNO GALOPIM
Foi há 25 anos! Em 1991, já com os aperitivos de Daydreaming (que foi em 1990 o primeiro máxi-single do projeto a galgar fronteiras e fazer-se ouvir bem longe da sua cidade-berço) e Unfinished Sympathy devidamente assimilados, o álbum Blue Lines fazia dos Massive Attack um dos primeiros casos sérios dos anos 90 que começavam a criar a sua galeria de factos e figuras. Em Bristol, porto de mar com uma longa história de relacionamento de navios (e quem neles viajava) entre a Jamaica e demais ilhas das “índias ocidentais” e solo britânico, emergia então uma visão pessoal das contribuições do hip hop ao mapa das transformações musicais, lida de acordo com os ecos que, tal como os navios, tinham atravessado o mesmo mar. Assimilado pelo trabalho de sound systems, filtrado pelo dub e outras marcas de personalidade, uma expressão lenta e algo narcotizada do hip hop ganhava forma num núcleo do qual, além dos Massive Attack, emergiriam outros nomes que em breve fariam da cidade um destino obrigatório das atenções de quem seguia os novos caminhos da música. Neneh Cherry, Carlton, Porisheah e Tricky, todos eles contribuíram para um dos mais vibrantes focos de invenção de algo novo na primeira metade dos noventas.
Agora, 25 anos depois de Blue Lines, passados momentos de glória e episódios difíceis, entre um punhado de grandes discos – entre eles Protection (1993) e Mezzanine (1998) – e longos silêncios, os Massive Attack, há muito reduzidos à dupla feita por Robert del Naja e Daddy G, anunciam um regresso com um primeiro EP, produzido por 3D, onde o seu presente (e desígnios de futuro) se cruzam com marcas do passado para, antes de mais, nos darem o melhor conjunto de canções que nos deram a escutar desde desde finais dos anos 90.
Lançado de surpresa (a tática de Bowie ganha adeptos, está visto), o EP a que chamaram Ritual Spirit é como um cartão de visita para quem, meio século depois de ter dado novos mundos ao mundo, sabe que não volta a assinar revoluções, mas que pode continuar a explorar sons e ambientes em favor da criação de canções que não sejam meras revisitações de mais do mesmo.
Há, por um lado, uma âncora clara nesse passado fundador ao assinalar a presença de Tricky (que com eles trabalhou até se afastar para fazer o seu álbum de estreia a solo), a voz convidada que escutamos em Take it There, canção que fecha o alinhamento mas ressoa memórias dos tempos em que a sua contribuição era uma das marcas de identidade do som dos Massive Attack. Que tenha sido este o tema escolhido para ser banda sonora do teledisco de apresentação do EP é sinal claro de que desavenças de outrora estão (aparentemente) resolvidas.
Os outros três temas juntam outras parcerias de vulto, ora evocativas de ecos e memórias, ora procurando manter-se a par com rotas e destinos da música de hoje. Esta presença do presente está sobretudo evidente na forma das electrónicas assombradas (numa estilização minimalista de heranças do grime) que servem a voz de Roots Manuva em Dead Editors. Igualmente assombrado, por caminhos que ecoam os trilhos cénicos de um Burial, com a colaboração de Azekel (nome que, após dois EP, é claramente figura a manter sob atenção), apresenta-se depois o tema que dá título ao EP. O disco junta ainda o empolgante Voodoo in My Blood que, na companhia dos Young Fathers, estabelece uma ponte entre Bristol e ecos da Escócia num tema que, se por um lado evoca a carga tensa de Mezzanine mas num contexto onde guitarras e electrónicas se juntam num ritual hipnótico diferente e contagiante.
A história continua na primavera com um segundo EP, esse com produção de Daddy G. Mais adiante haverá um álbum. É bom saber que, ao regressarem após um silêncio demasiado longo, os Massive Attack o fazem de boa saúde e com boas canções.
Massive Attack
“Ritual Spirit”
Virgin Records / Universal
★★★★
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