O ranger da porta
Texto: DIOGO SENO
Chegamos a Regressão, ainda para mais com um elenco encabeçado pelo quase sempre confiável Ethan Hawke, com alguma curiosidade, pelo que a legenda, no início, a avisar que se trata de uma história inspirada em factos verídicos, suscita logo algum cepticismo.
Bruce Kenner é um detective a braços com aquele que parece um caso de violação de uma menor, perpetrada pelo próprio pai, que alega não se lembrar. Para que polícia possa investigar o caso, recorre-se a um psicólogo que, através de sessões de “regressão”, tenta reconstituir memórias das diferentes pessoas envolvidas.
Se começamos com um policial, com Ethan Hawke a interpretar a sua melhor versão de um detective bruto mas de coração mole, tiques e sotaque ridículo (nunca se viu Hawke tão mal…), vamos acabar com o que parece ser uma tentativa de thriller psicológico mascarado de sobrenatural.
Apesar do competente engenho com que Amenábar tenta ludibriar-nos, lançando pistas enganadoras, deixando pontas soltas, mostrando cenas ambíguas, o que resulta é uma obra com problemas de personalidade, incapaz de decidir o que quer ser.
Visto com alguma leveza, o lado sobrenatural do filme até acaba por trazer alguns momentos interessantes, mas de uma forma que talvez não tenha sido a pretendida pelo realizador. Se esperava fazer um filme convincente, ou minimamente perturbante, neste território, o tiro saiu-lhe ao lado. Se queria fazer algo na senda do comentário, ou da “revisão” dos géneros, levou-se demasiado a sério.
De vez em quando, entrevemos o filme que poderia ter sido: um tresloucado e camp conto de assombração, cenas alucinatórias incluídas. São os melhores momentos, aqueles em que o cineasta alarga a rédea e deixa a imaginação, e o puro frémito do cinema de terror levar a melhor. Momentos como o mergulho na mente e as imagens que ela cria, ao fazer-se uma regressão, ou os pesadelos vívidos das personagens povoam o filme de algumas imagens interessantes (embora fortemente inspiradas noutros clássicos marcantes do terror, como O Exorcista).
Regressão é uma obra demasiado estudada e sisuda sobre algo inverosímil, e como thriller psicológico falta-lhe as fundações: personagens decentes. Essas estão ausentes, não só por incapacidade dos actores, que parecem também indecisos em que filme estão, como pela escrita do argumento, assente em quase todos os clichés do(s) género(s).
Os marcadores estão todos lá: o sobrenatural que se insinua nas mudanças meteorológicas, o ranger das portas, as casas degradadas povoadas por gatos, o psicólogo céptico mas que quer acreditar, a personagem dúbia, o polícia bom, o padre mau. Pense-se em qualquer ideia feita e Regressão apresenta-a, de uma forma ou outra. E se nos lembrarmos dos secundários que debitam linhas inanes e protagonizam momentos de comic relief que fazem rir exactamente pelo facto de serem completamente inadequados, não sabemos o que andou Amenábar a pensar quando realizou este filme.
Há um certo prazer a ver este Regressão, mas, infelizmente, não parece que fosse aquele que o realizador tinha em mente. Talvez devesse ter optado pelo ranger da porta, em vez do thriller sensacionalista com uma moral escarrapachada…
“Regressão”
Realização: Alejandro Amenábar
Elenco: Ethan Hawke, Emma Watson, David Thewlis
Distribuição: NOS Audiovisuais
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