“O Gerente da Noite”, a segunda oportunidade de Hugh Laurie
Texto: NUNO CARDOSO
O protagonismo numa série de êxito pode ter um sabor agridoce. De um lado, está o reconhecimento de milhões de espectadores pelo mundo, a estabilidade financeira com a garantia de se dar a cara por um projeto de sucesso durante alguns anos e em muitos casos a subida à primeira linha dos rostos da ficção televisiva. Uma espécie de realeza do pequeno ecrã. Por outro lado, ser o rosto de uma série com uma plateia global pode tornar-se no aprisionamento do seu protagonista aquele papel.
Que o diga Hugh Laurie, tantas vezes descrito como “o eterno Dr. House”. Com uma carreira de mais de três décadas, as graçolas e o mau feitio de muito carismático médico bastaram para reduzi-lo a sete anos de trabalho aos olhos do grande público. Não é de admirar que nos últimos quatro anos, Laurie participou apenas numa das temporadas de Veep e integrado o elenco de um filme, tendo-se refugiado no teatro e nos discos.
Depois de terminar Dr. House a dizer que estava cansado da televisão e que queria explorar novos territórios, Hugh Laurie tem em O Gerente da Noite uma segunda oportunidade. Richard Roper. É este o nome do vilão com a complexidade e profundidade suficientes para trazer de volta o britânico de 56 anos ao topo do jogo. Misterioso, temível, carismático, poderoso, influente, mas sem exageros. Um discurso que tem tanta força nas palavras como nos silêncios e nas entrelinhas. Bem regado com um toque de ironia e humor negro. É assim o antagonista da minissérie de seis episódios da BBC inspirada no bestseller de John Le Carré que se estreou há uma semana (entre nós no AMC Portugal).
O Gerente da Noite é o thriller dramático mergulha no universo de espionagem e guerra que marca a carreira literária de Le Carré. O tráfico de armas, a corrupção e interesses geopolíticos levam a que uma agente secreta incuba Jonathan Pine, ex-soldado britânico, se infiltre no império de Richard Roper e destrua aquele que é dito como “o homem mais odiado do mundo”. Uma adaptação de David Farr (com algumas alterações à obra de Le Carré, como por exemplo, a contextualização da ação no arranque da Primavera Árabe) que mistura drama, crime, espionagem, política, mulheres sensuais e a eterna luta do bem contra o mal (um elemento previsível mas aqui eficazmente recriado).
Um cocktail de ingredientes que tem levado a crítica a comparar O Gerente da Noite com os filmes de James Bond. Não só pela essência como também pela cuidada estética cinematográfica da série, que tem em Tom Hiddleston um sofisticado e sedutor “bom da fita”. De tal forma que se multiplicam os rumores e o apelo de fãs para que o britânico de 35 anos se torne no próximo 007, caso Daniel Craig abandone a popular saga. Uma crítica de O Gerente da Noite contava que a série de seis episódios é uma espécie de “casting de seis horas para Hiddleston mostrar que está à altura de ser o novo Bond”.
Existe, certamente, uma grande esperança da BBC depositada neste projeto. Não só é a primeira obra de Le Carré adaptada pela estação pública depois de um interregno de mais de três décadas, como é a série dramática mais cara da história da estação, com um orçamento de 27 milhões de euros – qualquer coisa como 4,5 milhões por episódio. Uma injeção financeira de confiança que talvez não existisse se Downton Abbey, da rival ITV, não tivesse desbravado caminho, angariado público mundo fora, colocado as atenções na ficção britânica e recebido o aplauso da crítica nos últimos anos.
Com os quase sete milhões de espectadores que viram o episódio de estreia na BBC, não será de estranhar que uma segunda temporada seja encomendada. O Gerente da Noite tem os ingredientes para se tornar naquilo que The Fall, o drama criminal com Gillian Anderson, não conseguiu na sua plenitude: um produto com a chancela BBC e com repercussão mundial. A sua própria Downton Abbey, não no conteúdo, mas no impacto.
Parece ser muito interessante, amei!
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