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Monstros e companhia

Texto: DIOGO SENO

“10 Cloverfield Lane” é um simpático e competente thriller psicológico, que equilibra sustos e humor negro.

Esta espécie de prequela a Cloverfield (o filme de 2008 realizado por Matt Reeves), tal como o seu sucessor, foi produzida em segredo (sob um título provisório, The Cellar), e apenas se começou a desvendar com a campanha de marketing que antecedeu a sua estreia.

Se a campanha em Cloverfield foi grande e bastante adiantada, a deste 10 Cloverfield Lane foi tardia, para manter a discrição até ao último momento.

O título, e a declaração por J.J. Abrams (produtor de ambos os filmes com a sua Bad Robot) que se trata de uma espécie de sequela “espiritual” para Cloverfield, acabam por prejudicar o suspense e a surpresa do final, até porque o interesse deste agradável e competente série B vai para além da sua eventual ligação ao universo Cloverfield.

A ligação entre as duas obras, na verdade, para além do misterioso nome (que aqui faz parte de uma morada), só se perceberá totalmente no final, mas quanto ao seu elo espiritual, esse é clara desde o início: Cloverfield é o nome da ansiedade e terror do mundo pós-apocalipse.

O mais interessante do filme de Matt Reeves, era não a sua utilização do found footage como técnica de pregar sustos (já cansada em 2008), mas a forma como das suas imagens fragmentadas surgia uma cidade em ruínas, de terror e ansiedade, que o espectador só podia ver no escuro e por flashes.

Este 10 Cloverfield Lane, de Dan Trachtenberg, é, contudo, muito diferente do seu sucessor. Em primeiro lugar, na sua escala: onde o primeiro calcorreava Nova Iorque numa corrida sem parar, este passa-se quase totalmente num bunker. Depois, se no outro tínhamos a estratégia do found footage para um filme de monstros gigantes, aqui temos uma abordagem clássica ao serviço de um thriller psicológico.

O prólogo, antes de sermos presos no bunker, é muito rápido, e envolve uma fuga da protagonista, Michelle (Mary Elizabeth Winstead) de um apartamento. Na viagem de carro, nocturna, que se segue, é atingida por outro veículo, capota espetacularmente e, logo a seguir, encontramo-la presa numa cela com mãos e pés algemados a canos. O responsável pela sua prisão, Howard (John Goodman) é um indivíduo grande, ameaçador, que nega ter raptado Michelle. Ao contrário: ele salvou-a de um ataque químico que deixou o ar lá fora irrespirável. Aquele local é o refúgio que havia anos construía para o fim do mundo que adivinhava próximo, e vem recheado com entretenimento e alimentos para 10 anos. A incredulidade da protagonista é a nossa, e é nessa corda bamba de incerteza que se vai jogar a tensão do filme.

É que Howard, apesar das suas palavras e gestos atenciosos, apresenta traços de tirano e controlador. Mesmo a presença de outro rapaz, Emmett, naquele espaço, que já conhecia Howard e corrobora parcialmente a sua versão da história, não alivia a tensão e as suspeitas de Michelle. Pelo contrário, aumenta-as, pois estes três sobreviventes não podiam ser mais diferentes.

A realização do filme é eficaz e utiliza bem os recursos que tem à mão: o espaço limitado e claustrofóbico é inteligentemente percorrido, o som (dos canos, das máquinas, das portas pesadas a abrir, à banda sonora) é impossível de ignorar e aumenta a tensão e, sobretudo, a alternância entre planos de conjunto e de pormenor servem o propósito de imprevisibilidade e inquietação que esta história pede.

Mas mais do que na sua competência enquanto exercício de género, 10 Cloverfield Lane encontra o seu ponto forte na maneira como, auto-referencial, como muitos filmes de terror (inclusive os de mestres como Carpenter e Craven), brinca com os seus limites e códigos, e com as expectativas dos espectadores, e se comenta a ele próprio. E aqui, esta brincadeira não se dá apenas em nome do expectável neste género – assustar, perturbar ou aterrorizar – mas também em nome do humor negro. Apesar do seu negrume, este é um filme que não se leva demasiado a sério, e encontra espaço para equilibrar o puro susto e o horror com o deleite de uma gargalhada culpada (afinal de contas, são gargalhadas no pior dos cenários). E sem os dois actores óptimos que protagonizam este filme – John Goodman e Mary Elizabeth Winstead – nem o jogo de gato e rato, nem os momentos de humor, funcionariam. É no confronto entre o cáracter opressor/compreensivo de Howard (vigoroso Goodman) e a inteligência e resiliência de Michelle (numa interpretação de Winstead de um carisma invulgar neste género de personagem), que este filme assenta. Não sabemos se Howard fala a verdade ou não, mas seja ele um raptor de facto ou apenas uma figura machista e sufocante, só queremos que a heroína saia daquele espaço e descubra a verdade. Estejam ou não lá fora outros perigos à sua espera.

https://youtu.be/3NABPa211Ko

10 Cloverfield Lane
Realização: Dan Trachtenberg
Com: John Goodman, Mary Elizabeth Winstead, John Gallagher Jr.

2 Comments on Monstros e companhia

  1. O maior elogio que posso fazer a 10 Cloverfield Lane é que é extremamente tenso. Já foi apelidado de Hitchcockiano, tanto pela premissa de mulher em fuga que se vê ameaçada por um homem aparentemente benigno, como pela construção do suspense, fazendo bom uso da sonoplastia, em conjunto com a música, ou mesmo da ausência de som. Apesar de ser difícil contornar algumas convenções do género Trachtenberg consegue surpreender, desequilibrando as expectativas em certas cenas, e prolongando o suspense ao ponto de ter tido, em determinado momento, o reflexo de levar a mão à frente dos olhos para minimizar o impacto do susto esperado. Uma estreia absoluta, se a memória não me engana.

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  2. “10 Cloverfield Lane”: 5*

    Eu amei o filme 🙂 Excelente crítica e excelente título 🙂 Quantas estrelas deu ao filme?

    “10 Cloverfield Lane” é até agora um dos filmes do ano, vi-o recentemente e é excelente.

    Cumprimentos, Frederico Daniel.

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