João Peste: “Em termos estéticos os limites são para transgredir ad infinitum”
Entrevista de NUNO GALOPIM
Estar numa editora das dimensões de uma Universal (na altura era ainda PolyGram) o que mudou na maneira de trabalhar dos Pop dell Arte? Falo da escolha de singles, agenda promocional, teledisco…
Sinceramente, creio que não alterou grande coisa. Talvez a nível da promoção as coisas tenham sido diferentes, mas não tanto quanto seria de esperar. Fomos, por exemplo, ao Big Show Sic, que era então super-mainstream, o que possivelmente não teria acontecido se não estivessemos na Universal. Mas digo “não tanto quanto seria de esperar”, pois houve ainda muitas resistências. Por exemplo, o Herman José continuou a recusar incluir Pop Dell’Arte (tal como os Mão Morta e outras bandas alternativas) no seu programa, que era então o programa de entretenimento mais mainstream da televisão pública, a RTP. Levámos um rotundo não, pois “não há espaço aqui para essas coisas” terá dito o próprio Herman. Por falar em programas mainstream, justiça seja feita ao Carlos Cruz que, em 1987, levou os Pop Dell’Arte à Quinta do Dois, da RTP, onde nos chamou super-banda, mal acabámos de lançar o nosso primeiro disco. Enfim, abaixo o Herman e viva o Carlos Cruz!
My Funny Ana Lana foi o tema escolhido como single de apresentação por algum motivo especial?
Houve dois singles: o primeiro com os temas My Funny Ana Lana e Zip Zap Woman’ (tendo tido aquele direito a um videoclip), e o segundo com Poppa Mundi e Be Bop. Não há nenhuma explicação para a escolha de um tema para um single a não ser considerar esse tema o mais adequado para a promoção do álbum de que faz parte, quer seja por poder passar mais na radio, quer seja por poder dar um vídeo mais interessante, quer seja por ser o mais representativo do conjunto da obra, sendo este ultimo o critério menos comercial de todos, obviamente. Assim, a escolha do My Funny Ana Lana resultou um pouco da conjugação destes três critérios, embora eu considere que prevaleceu o primeiro, devido ao poder da radio naquela altura. Claro que a televisão também tinha um grande poder, mas no caso de bandas indies e alternativas o impacto da radio, nessa altura, era muito maior. Hoje está tudo muito diferente, tanto a rádio como a televisão, para já não falar do mercado discográfico. Há uma fragmentação crescente daquilo a que chamámos cultura de massas, mas penso que é prematuro falar na morte desta.
Poppa Mundi e Be Bop são exemplos de canções muito curtas. Quase vinhetas… Como foi a sua composição e como lidaram com essa ideia de optar por não as alongar às dimensões mais convencionais da canção pop?
Não ligámos a isso, até porque não achamos que essas canções precisassem de ser alongadas nem nunca pensámos que alguém um dia diria que eram quase vinhetas, seja lá o que for que isso queira dizer. Pelo contrário, achámos que tinham potencial para rádio, não obstante as rádios em Portugal (tirando programas específicos de autor) serem na generalidade muito conservadoras e previsíveis. Há temas do tamanho do Be Bop e do Poppa Mundi, cerca de dois minutos, que foram grandes hits. Lembro-me do Hey Girl, Don’t Bother me, dos Tams, primeiro lugar no top britânico em 1971, que era pequeníssimo, ou o Telephone Man, da Mari Wilson, de 1977, que ainda era menor, não chegava sequer aos dois minutos. Há montes de exemplos de hits com cerca de dois minutos, desde o Ride A White Swan, dos T.Rex, ao A-Punk, dos Vampire Weekend, passando pelo Denis, dos Blondie, para já não falar de clássicos dos Beatles, Elvis Presley e outros.
Poppa Mundi teve depois outra vida num genérico de televisão. Como viram essa outra utilização de uma música vossa?
Com naturalidade, até foi divertido. Tirando isso, pouco há a dizer, a não ser que o tema tocou, integrado no referido anúncio, nalguns canais televisivos de duas em duas horas durante um determinado período – creio que duas ou três semanas – e depois não recebemos os direitos de autor. A SPA (Sociedade portuguesa de Autores) informou-nos que ainda não tinha capacidade para cobrar direitos de autor de músicas de anúncios. Já nem me lembrava desse triste episódio, mas de facto foi o que se passou: recebemos pelo licenciamento do tema, mas os direitos de autor ficaram por pagar, ou melhor, segundo a SPA, por cobrar.
O que foi que deu ao álbum Sex Symbol o seu título?
A ideia do título surgiu de uma fotografia da Luísa Ferreira, que eu e o Luís San-Payo vimos uma vez numa exposição desta fotógrafa, creio que em 1994. Lembro-me que olhei para a fotografia e disse para o Luís que seria uma boa capa para o nosso próximo álbum e que este se poderia chamar ‘Sex Symbol’. Ele concordou logo, a Luísa também e assim nasceram o nome e a capa de um disco. Juntámos à imagem do carrão vermelho, na capa, a imagem de um burro, na bolacha do CD, como símbolo sexual de outros tempos, evocando os célebres livros do século II,O Burro de Ouro e Lúcio ou o Burro, de Apuleio e Luciano, respectivamente.
Sex Symbol é um disco com vários convidados. Como entraram em cena, o que procuravas nas suas contribuições?
Entre os convidados do Sex Symbol há casos diferentes, pois o Sei Miguel participou em vários discos e concertos dos Pop Dell’Arte, tal como, embora com menor assiduidade, a Fala Mariam, enquanto que a Maimuna Jalles e o Ricardo Camacho entraram apenas num tema do Sex Symbol. Mas eram todos nossos amigos e fizeram todos um excelente trabalho. Os Pop Dell’Arte sempre foram uma banda aberta a várias influências, pelo que sempre tiveram vários convidados nos seus discos, foi o caso de Adolfo Luxúria Canibal, Cazé (dos Grito Final) ou Nuno Rebelo e Zé Pedro Lorena (dos Mler Ife Dada) nas sessões do Free Pop, de Salomé, Sei Miguel e General D. no Ready-Made ou ainda de Simon White no Contra Mundum. Chegámos até a fazer gravações com o Pedro D’Orey mas estas nunca viram a luz do dia. É bom ter convidados em estúdio.
A coexistência de várias linguagens – das electrónicas às guitarras – e de línguas – português e inglês – tem aqui uma vez mais expressão livre e versátil num disco dos Pop Dell’Arte. Seguir um caminho estética ou instrumentalmente mais fechado nunca parece ser uma opção em jogo…
Bom, isto não é bem uma pergunta… Mas acho que sim, seguir um caminho estética ou instrumentalmente fechado nunca foi – nem será – uma opção.
Seguiu-se uma longa pausa até ao EP So Goodnight. A existência dos Pop Dell’Arte chegou a estar em risco?
Não, não creio que tenha estado em risco. Temos o nosso ritmo e também consciência de que temos certas limitações em termos de saída comercial… Mas não em termos estéticos. Aí os limites são para transgredir ad infinitum.
O que representa esta edição em vinil, passados mais de 20 anos?
Não sei ao certo. Alguém na Universal reparou que o disco não era reeditado há mais de dez anos e resolveu reeditá-lo. Fê-lo agora apenas em vinil, mas espero que compreenda que é também urgente reeditá-lo em CD. Aguardemos.
A ideia de experimentar este modelo de concerto, mas com outros álbuns vossos – como os Sparks fizeram – passa pelo horizonte próximo da vida em palco dos Pop Dell’Arte?
Não. Não creio. Isto é um concerto único e especial que teve a ver com a edição em vinil do Sex Symbol, mas que é também, de certa forma, uma homenagem póstuma ao Pedro Alvim, um amigo querido com quem adorámos tocar e privar, e que agora já não está entre nós.
Os Pop Dell’Arte acabam de ver o álbum Sex Symbol a ser editado, pela primeira vez, em suporte de vinil. Amanhã apresentam o disco, na íntegra, ao vivo, no Titanic Sur Mer, em Lisboa.
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