“Sex Symbol”: para lá da nostalgia
Texto: ANDRÉ LOPES
À partida, a noite seria especial: com a premissa de apresentação de Sex Symbol a partir de um palco onde estaria reunida a formação que os Pop Dell’Arte tinham em 1995, à exceção de Pedro Alvim, que morreu no ano passado e a quem este concerto acabou por ser dedicado. O atraso face à hora marcada foi considerável, mas o perdão não tardou a chegar: ver JP Simões e Luís San Payo de regresso – na guitarra e na bateria, respetivamente – foi um dos principais motivos para que a noite se tornasse única.
Sex Symbol acaba por ser um dos discos mais significativos dos Pop Dell’Arte, especialmente pelo equilíbrio entre as guitarras consideravelmente próximas de um rock dito “convencional”, num alinhamento que mais cedo ou mais tarde extravasa para delírios de eletrónica ou mesmo por uma dimensão mais exploratória das cordas elétricas. Enquanto banda de palco, a fórmula mantém-se ao longo dos anos e resulta em pleno: a pose teatral e postura de crooner que João Peste enverga contrasta com as guitarras fortes de temas como Zip Zap Woman ou Orange Kaleidoscope, dando continuidade ao culto de uma masculinidade alternativa – nunca tóxica.
Esta foi ainda uma oportunidade de relembrar canções que não escutávamos em palco há algum tempo: A Sex Machine (with hands to kill), Ragga mecca mix e H2T perfazem a secção mais eletrónica de Sex Symbol e a transfiguração das mesmas para contexto de palco resultou de forma muito eficiente, por via dos apontamentos melódicos de JP Simões e do baixo de Zé Pedro Moura, que será sempre um dos principais motores de ritmo das canções dos Pop Dell’Arte. Eventualmente, o mesmo torna-se protagonista como acontece no jazzístico Be Bop. Sex Machine recebeu nesta noite uma versão renovada, com guitarras extras a enquadrarem perfeitamente a voz profunda de João Peste.
Torna-se interessante pensar no propósito de revisitação de um disco em contexto de palco. Quanto acontece de forma massificada como sucedeu, por exemplo, com a última digressão de Patti Smith em redor de Horses, é possível considerar eventualmente um propósito comercial assente na mercantilização da nostalgia. A escala não é comparável, e o propósito não será certamente o mesmo – algo comprovado pela plateia que só preencheu parcialmente o espaço do Titanic Sur Mer, mas que ainda assim soube ser calorosa com My Funny Ana Lana e, já na segunda parte do concerto, Loane & Lyane Noah e Sonhos Pop. A melódica La La La (It’s a Wonderful World), que integrará o próximo disco da banda, começa entretanto a dar provas da sua capacidade de se tornar um futuro clássico para os Pop Dell’Arte.
O final foi feito em modo de investida forte: Querelle e Esborre podem ter quase 30 anos, mas isso não lhes retira impacto e a fúria criativa que esteve na sua génese materializou-se ontem diante de todos. Para o futuro, a expectativa mantém-se face a um próximo disco. Os Pop Dell’Arte sempre foram erráticos no que diz respeito a prazos e espaçamento entre discos, mas, regra geral, a demora compensa. E oportunidades como a deste dia 22 de Abril garantem-nos a melhor forma de apressar esse compasso de espera.
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