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Nos 100 anos de Moondog: Quando a liberdade desafia os rótulos

Texto: NUNO GALOPIM

Na semana em que se assinala o centenário do nascimento de Moondog recordamos o percurso de vida de uma das figuras mais invulgares e cativantes da história da música do século XX.

Se ter uma voz autoral é ser único e diferente, então em Moondog a história da música do século XX e a memória da contracultura que emergiu na Nova Iorque dos anos 60 e 70 tem um nome de absoluta referência. Com uma vida algo nómada nos dias de infância, em parte passada no grande Oeste, somou desde cedo as experiências que observou (até perder a visão, aos 16 anos) e escutou, todas elas tendo acabado por se materializar no rumo que o conduziria a uma obra que, dividida entre géneros, de fronteiras estilísticas difusas, o fez caminhar sempre entre os universos próximos da música contemporânea, as cercanias do jazz e o entusiasmo dos melómanos mais atentos às franjas mais experimentais da cultura pop…

Esta divisão ou difícil categorização, juntamente com as marcas de uma vida pessoal atípica (passava dias a fio, vestido com trajes à viking, numa esquina da 6ª Avenida) talvez sejam algumas das razões pelas quais Moondog não seja ainda um nome de nenhum dos cânones (tal e qual o são já alguns dos seus contemporâneos). No momento em que se assinala o seu centenário, vale a pena voltar a olhar e ouvir a sua música. Há muito que é uma figura de culto… Mas a sua vida e obra têm mais de invulgar, genuíno e marcante do que muitos dos outros grandes do seu tempo. Porque não é, então, tão conhecido como outros que, como ele, tiveram obra editada em disco entre os anos 50 e 90?

Ver e ouvir. E aprender tudo outra vez…

A juventude de Louis Hardin (era esse o seu nome real) viveu duas grandes etapas. Uma primeira, algo idílica e essencialmente feita de descobertas (que se revelariam marcantes), que o biógrafo Robert Scotto – autor de Moondog – The Viking of 6th Avenue – aponta como tendo como ponto final o ano de 1929, quando a família mudou de residência e rumou a outras paragens, na América profunda. E uma segunda, pontuada por momentos quase trágicos, que o conduziria a Nova Iorque em 1943, aos 27 anos, abrindo-se então o mundo de possibilidades que faria emergir a figura que ficou para sempre inscrita não só na história da cidade mas nos caminhos que a música tomou na segunda metade do século XX e que dele fizeram uma figura próxima de Philip Glass ou um ícone admirado por melómanos com gosto pelos domínios do jazz, da música contemporânea e das linhas da frente da invenção.

Nasceu a 26 de maio de 1916 em Marysville, no Kansas. A sua era uma família invulgar. O pai era pregador e frequentemente mudavam de residência, pelo que o pequeno Louis passou os anos formadores da sua personalidade entre vários lugares, casas diferentes e contextos sociais e culturais distintos. Olhou, ouviu e somou experiências. Ao cinco anos fez o seu primeiro instrumento: uma bateria em cartão… E era ainda bem pequeno quando o pai foi chamado a pregar num lugar remoto no Wyoming, o que chegou a dada altura a levá-lo à presença de um velho chefe índio. Quando, hoje, escutamos a sua música, todos esses ecos remotos ganham voz.

Em pequeno a sua personalidade era já pouco dada a alicerçar laços demasiado profundos. Os amigos chamavam-lhe “windy” (ventoso), expressão da forma como passava entre eles e as coisas, fazendo contudo sentir a sua presença. E desses tempos mais remotos conta-se a história da bulldog Lindy, que uivava à Lua, de noite e que, anos mais tarde, inspiraria o nome pelo qual Louis se passaria a apresentar: Moondog.

As vivências musicais, além das experiências de ouvir o que o envolvia, passaram por uma banda de escola e um primeiro professor, que fez do pequeno Louis um percussionista algo peculiar que, mesmo “compensando as imprecisões com o seu entusiasmo”, como nota Scotto, acabou mesmo a tocar na orquestra comunitária local, o que lhe valeu a possibilidade de ir a cidades maiores para ver e ouvir orquestras melhores. Ao mesmo tempo desenvolveu um gosto pela construção de objetos, usando como referência o que ia lendo e vendo em revistas como a Popular Mechanics ou a Popular Science.

Tudo o que estava a construir mudou, tragicamente, na manhã de 4 de julho de 1932. Tinha acabado de fazer 16 anos quando resolveu investigar melhor um objeto que havia recolhido do chão, num passeio pelo campo, pouco antes. Era uma barra de detonação que ali fora deixada por infeliz acaso e que, ao explodir junto ao rosto do jovem Louis, o deixou severamente ferido, a mais grave das consequências sendo a perda de visão.

O acidente teve repercussões em várias frentes, de um confronto imediato com a fé, que antes chegara pela relação com o que o pai pregava e agora lhe falhara, a uma necessidade de aprender não apenas a ler braille como novas formas de poder trabalhar a música. Um dos primeiros livros que leu em Braille, aos 17 anos, foi The First Violin, de Jesse Fothergill… O seu caminho trilhava cada vez mais um rumo.

Com o tempo, ao mesmo tempo que completava os estudos, alargou as experiências de audição ao que ia ouvindo em salas de concertos e através da rádio, desenvolvendo então formas de transcrever a música que escutava.

Em Nova Iorque

A chegada de Louis Hardin a Nova Iorque, em 1943, abriu novos e importantes horizontes para si e a sua carreira. Chega à cidade num domingo do mês de novembro. E após duas noites de hotel, compreende que tem de encontrar um trabalho para se poder sustentar. Por primeiros conhecimentos que ali trava ganha os primeiros dólares em Nova Iorque como modelo para aulas de desenho. E com o ordenado encontra casa num pequeno apartamento na rua 56 no mesmo prédio em que vivia aquela com quem teria o seu primeiro grande relacionamento, uma bailarina e professora de dança que assegurou ainda as primeiras transcrições da música dele para partitura. Datam de então as suas primeiras composições para ensemble clássico, muitas delas na forma de madrigais.

Em pouco tempo tornou-se numa figura conhecida entre os meios boémios de Manhattan, traçando-se aí as primeiras expressões de um culto ao redor da sua figura, ideias e música. Publicava textos, que vendia na rua, em alguns expressando ideias algo à frente do seu tempo. E por essa altura, através de um dos seus conhecimentos, começou a frequentar os ensaios da New York Philharmonic. A sua presença era sentida, e o entusiasmo que transbordava cativou alguns dos elementos da orquestra e da equipa ao seu redor. Tanto que passou a ser sempre convidado a assistir aos ensaios. É então que conhece Leonard Bernstein, a quem chega a entregar algumas das suas partituras que, contudo, não chegam nunca a ser ali interpretadas. A vivência na sala, com a orquestra pela frente, deu-lhe a ouvir não apenas as obras tocadas, mas a forma de o fazer, as qualidades dos instrumentos e do cunho interpretativo de quem os tocava e dirigia. A sua música iria traduzir a assimilação de muito do que ali foi aprendendo.

Por essa altura apresentava-se já como Moondog, nome pelo qual a sua identidade e presença passaram a responder depois de 1947. E tinha já voltado a viajar para lá da cidade onde se transformara, rumando novamente a território índio. De volta a Nova Iorque (dois anos depois), começa a viver num estado errância mais pronunciada, não conhecendo numa etapa uma residência fixa nas horas noturnas. Mas de dia é pelos circuitos musicais que caminha, entre vários destinos rumando ao Spanish Music Center, onde lhe acabam por dar um espaço para pernoitar na cave.

É por essa altura, no inverno de 1949 para 1950, que faz as suas primeiras gravações, que acabam editadas no formato de discos de 78 rotações. O primeiro deles junta Snaketime Rhythms e 5 Beat. Seguem-se composições como 7 Beat, Moondog Symphony, Timberwolf, Sagebrush, Organ Rounds (1 & 2), Oboe Rounds, Chant, All Is Loneliness e Wildwood. Algumas destas gravações, assim como regravações destas peças, surgiram no alinhamento dos primeiros álbuns, Snaketime Series (um dez polegadas em 1954, com alinhamento revisto na forma de LP dois anos depois).

As edições dos primeiros 78 rpm trouxeram alguma notoriedade, mas não o transformaram num artista estável. E depois do inverno vivido numa cave, passou uma etapa a habitar espaços no telhado de edifícios (gostava sobretudo do telhado do YMCA). Mas é depois desses primeiros discos, e entre anos que se seguem, que começa a conquistar os primeiros grandes admiradores, entre eles Duke Ellington, Benny Goodman, Charlie Parker, Dean Martin, Sammy Davis Jr ou José Ferrer (que o convida a tocar no seu casamento, o que não se chega a concretizar).

As sinfonias de rua

É com o aflorar das primeiras gravações que o nome de Moondog começa a ressoar além do espaço imediato ao seu redor. Nascem então as várias possíveis maneiras de o encarar que, como Scotto apresenta na biografia, correspondem a uma forma de o entender como sendo um artista verdadeiramente original, um “excêntrico afetado”, um enigma ou até mesmo uma ameaça. Meio século depois dos seu primeiros álbuns, curiosamente, não é muito diversa a paleta com que o seu nome e obra são descritos… Se bem que, cada vez mais, é o reconhecimento do grande artista quem vai escrevendo as novas páginas que surgem com o seu nome.

Os primeiros 78 rpm começam a sair em finais dos anos 40 e expressam sobretudo primeiros sinais de curiosidade pela sonoridade dos instrumentos, o ambiente como cenografia e a presença da percussão como grelha que agrega a estrutura de muitas das peças.

Depois de Snaketime Rhythms, seguiram-se outros discos de 78 rotações como Oboe Rounds (1950) e Organ Rounds (1950). A permanência na cidade, o progressivo estabelecimento da sua presença como figurar rara, mas visível, no panorama mais vanguardista (não confundir com os vanguardismos da música erudita de então) da música local, abriu depois caminho a uma mais frequente agenda editorial que, em 1953, o viu a lançar o registo ao vivo Improvisations at a Jazz Concert (em 78 rpm), a Pastoral Suite (também em 78 rpm), o EP Moondog on The Streets of New York e o dez polegadas Moondog and His Friends que, mesmo não surgindo num formato de LP a 12 polegadas, foi, na verdade, o seu primeiro álbum, traduzindo também aquele que lhe deu melhores condições até então, chamando a estúdio alguns instrumentistas competentes (apesar de muitos dos instrumentos terem sido tocados por ele mesmo). Ao trabalho central de percussão e de integração de elementos do som ambiente, as composições traduzem aqui um trabalho mais elaborado na escrita para outros elementos, nomeadamente o violino (expressando um lirismo de fulgor melodista) e o piano (mais livre a devaneios jazzísticos), como se escuta em Oasis, que, juntamente com as duas suites ali registadas, representaram a porta para caminhos futuros da sua música orquestral. O álbum abriu espaço a uma exploração da voz cantada (como em Tree Frog – Be a Hobo).

Coube a Moondog on the Streets of New York a primeira consagração crítica. O disco recebeu palavras de encorajamento e entusiasmo, com a Billbord a notar mesmo que era um caso a seguir com atenção. Essa vibração não se traduziu contudo nas vendas.

Os anos 50 são um período de relativa estabilidade para Moondog. Um casamento, uma filha e uma residência regular no Lower East Side lançaram as bases emocionais seguras num tempo em que a presença de Moondog se começou a fazer notar mais na rua, sobretudo porque escolheu então a Times Square como destino habitual da sua errância diurna e começou a vestir capas de fabrico caseiro. Nessa etapa de maior estabilidade assumia a figura do pedinte na rua, algo que o tempo abandonaria em favor da construção de uma figura que se aproximou mais de uma ideia de criação artística, que lhe valeria (pelas roupas e pelo lugar onde passou a estar diariamente) o nome de Viking da 6ª Avenida.
O fim do casamento, na segunda metade dos anos 50, assim como a descoberta da música de Edgar Varese e das palavras de O Príncipe de Maquiavel lançaram um conjunto de reflexões que a sua obra depois assimilou.

Datam de 1956 e 1957 as suas últimas gravações de um período de oito anos de intensa criação e de rotinas regulares de registos em disco. Datam de então os álbuns Moondog (1956), More Moondog (1956) e The Story of Moondog (1957), entre os quais ficam fixadas as visões mais definitivas e maduras de um primeiro conjunto de visões que percorreram toda esta etapa criativa. As percussões definem o espaço, servindo de palco para a presença da voz e dos outros instrumentos, muitas vezes escutando, mas de uma forma distinta do que sucedeu na música concreta, o contexto sonoro em volta. E aí vale a pena caminhar entre o alinhamento de More Moondog que, apesar do carácter mais marcante de algumas das pistas lançadas em Moondog and His Friends, é talvez o álbum que mais bem define a síntese deste período na sua obra.

Uma obra-prima, em 1969

Apesar de não ter gravado discos durante mais de dez anos, a vida artística de Moondog não viveu em modo de pausa entre os registos editados em 1957 e o álbum que, em 1969, finalmente rompeu o silêncio.

Durante a primeira metade da década de 60 aperfeiçoa progressivamente a construção da figura icónica que lhe valeria definitivamente a sua inscrição entre as figuras mais invulgares e marcantes da vida cultural nova-iorquina de então. Acompanha a cada vez mais cuidada expressão de uma indumentária (e sustentação de uma imagem) com a exploração de heranças da cultura nórdica e suas mitologias. E, ao mesmo tempo que procura caminhos de evolução para a sua música, começa publicar anuários, que vende na rua, pelos quais cruza pensamentos e partituras de algumas das suas composições. O dia a dia continua a fazê-lo numa errância entre os lugares onde ocasionalmente vai dormindo. Há etapas em que vive como sem-abrigo, dormindo junto de teatros e hotéis. Durante algum tempo habita numa divisão pequena em casa de Philip Glass (daí nascendo a ligação de admiração entre ambos).

A sua vida (musical) muda, contudo, quando um produtor musical – James William Guercio – repara na sua presença na rua, escuta a sua música e, entusiasmado, convence os executivos da Columbia Records a gravar dois discos para a o catálogo de música clássica. Abre-se assim o caminho para a criação daquela que, apesar da expressiva e variada obra de Moondog é, talvez, a sua obra-prima.

Gravado ainda com melhores condições de trabalho do que as que havia conhecido nos momentos técnica e financeiramente mais bem nutridos que a sua obra em disco havia conhecida em meados dos anos 50, Moondog é um disco que demonstra com uma dimensão mais clara e pungente, a visão total da música de Moondog. É um álbum orquestral no qual são evidentes os ecos de uma exposição à música orquestral do cânone romântico ocidental, mas que não ignora nenhuma das marcas anteriores da voz autoral de Moondog, de uma presença evidente das assinaturas na percussão aos flirts com o jazz. De novo (e contemporâneo) há uma certa afinidade com uma ideia de música repetitiva, embora sem procurar as lógicas (nem a instrumentação electrónica) então vigente entre os emergentes minimalistas.

Moondog, o álbum, que mostra na capa uma das suas mais icónicas imagens, foi um acontecimento bem acolhido pela crítica. E chegou mesmo, na reta final de 1969, a atingir o sexto lugar na tabela de música clássica nos EUA.

Por razões promocionais, Moondog foi desafiado a mudar-se da esquina da rua 53 para a da rua 51 (na mesma sexta avenida), ficando assim mais perto dos escritórios da editora. A edição do disco e o impacte que obteve não mudaram contudo o seu estilo de vida. Mantinha então uma vida de rua. E assim foi até que, quase dois anos depois, do reencontro com uma antiga companheira e a filha, nasceu uma ideia de colaboração “familiar” que resultou num segundo disco gravado para a Columbia.

Editado em 1971 Moondog 2 é um álbum bem diferente do que lançara dois anos antes. É um disco vocal, feito de madrigais, estabelecendo ligações entre as demandas que o compositor vivia no presente e ecos da música antiga que ajudavam a definir a forma da abordagem à canção. Não teve o mesmo impacte de Moondog mas, em conjunto, os dois discos revelavam uma visão formal e instrumentalmente mais apurada daquilo que as gravações “de rua” dos anos 40 e alvorada dos 50 faziam lembrar. E foram peças chave para a consagração (ainda não unânime) de Moondog como um compositor do seu tempo. E, de certa forma, um ponto de partida para a etapa seguinte, que o levaria a atravessar o Atlântico e a encontrar outros desafios na Europa.

A consagração na Europa

Tal como se sucedera após o volume de gravações e edições nos anos 50, também depois de 1971 Moondog viveu afastado dos discos por algum tempo mantendo, contudo, hábitos de vida e de trabalho. E era já um ícone abraçado pela contracultura desde finais dos sessentas quando, em 1974, um musicólogo (que nos dias de estudante tinha sido confrontado com uma gravação de Moondog numa aula), chegou a Nova Iorque, pedindo ao taxista que o levasse até ao compositor. Não foi difícil dar com ele. E de primeiras conversas e entendimentos nasceu uma primeira colaboração em palco em New Haven, alguns outros acontecimentos centrados na sua música e, pouco depois, uma ponte de conhecimentos e interesse em si e na sua obra que o levaria à Europa, regressando apenas por uma vez aos Estados Unidos para uma série de atuações na Brooklyn Academy of Music que acentuaram a sua relação com os minimalistas, do aplauso de Steve Reich a uma renovada cumplicidade com Philip Glass.

Porém, antes de rumar à Europa, Moondog viveu nova etapa de errância americana, regressando por algum tempo a paisagens rurais que estimularam novas visões e, sobretudo, o aprofundar de um interesse pelas relações com o espaço e a natureza que o aproximava das mitologias nórdicas.

A chegada à Alemanha não resultou num triunfo imediato. Mas os primeiros concertos, os relacionamentos ali encetados com músicos e melómanos, em pouco abririam portas à etapa mais criativa da sua obra, ao período de mais intensa atividade discográfica, num tempo de alargamento das suas potencialidades como compositor às possibilidades de vários instrumentos – o saxofone, o órgão, as marimbas – que enriqueceram cromaticamente uma música que continuou a evoluir sem contudo não esquecer nunca a genética percussiva que a definiu desde o início, um interesse ocasional pelas periferias do jazz, reflexos de uma admiração pelos minimalistas e uma cada vez mais presente relação com heranças dos cânones ocidentais.

Entre os primeiros discos que cria na Europa conta-se um trio de álbuns lançados entre 1977e 1979 pela Kopf. In Europe (1977) fazia a ponte direta para com experiências anteriores, juntando uma série de pequenas peças e de fragmentos de séries maiores, explorando (além das assinaturas na percussão) diálogos com cordas, metais, marimbas ou um órgão. H’Art Songs (1978) revelava um ciclo de canções tão capaz de refletir as heranças clássicas já reconhecidas na sua obra como traduzir ecos de linguagens da música popular, propondo uma visão inclusiva e aberta a vários públicos. Em A New Sound of An Old Instrument (1979) revela-se um conjunto de peças para órgão que traduziam claramente o sentido de evolução de uma música que, sem perder personalidade, continuava a procurar desbravar novas descobertas, sobretudo na relação com as possibilidades sonoras dos instrumentos. Entre este trio (marcante) de discos lança ainda, pela Musical Heritage Society, o álbum Instrumental Music (1977) que inclui, entre outras peças, partes do livro Logründr, para órgão, em gravações captadas numa atuação numa igreja em Oberhausen.

Apesar de ter conhecido na Alemanha uma vida finalmente “domesticada” (como ele mesmo chegou a comentar), contando com a preciosa ajuda de uma jovem colaboradora que com ele trabalhou até aos seus últimos dias, a etapa europeia de Moondog conheceu períodos de vida e trabalho passados no Reino Unido e na Suécia. Em Estocolmo, por exemplo, gravou em 1987, Moondog directs Flaskkvärten – Bracelli. Em Bath (Reino Unido) registou, com o The London Saxophonic o disco Sax Pax For Sax (Kopf, 1994). E em Londres, depois, Big Band (Trimba Music, 1995). Estes dois últimos são importantes registos de um interesse exploratório de Moondog pela música para metais. Da última etapa da sua vida discográfica destaca-se ainda o belíssimo Elpmas (Kopf, 1991), disco que assinalou uma síntese de toda uma visão musical e que chegou num tempo de consagração da visão e da obra de Moondog como a de um nome de referência do seu tempo.

Depois da sua morte, em setembro de 1999, aos 83 anos, por falha cardíaca, Moondog manteve-se uma figura ativa e presente no panorama discográfico. Além das ocasionais reedições de discos de várias etapas da sua carreira, foram surgindo antologias que asseguraram a muitos um primeiro contacto com a sua música. Foi o caso de Viking of The 6th Avenue, lançado pela Honest Jons em 2004. No mesmo ano a Roof Records juntou uma seleção de gravações do período alemão em The German Years 1977-1999. E, dois anos depois, a mesma editora lançava Rare Material, duplo CD que juntava as faixas de Big Band a uma seleção de temas de outras etapas.

Quando nos deixou já havia várias expressões de admiração de outros músicos gravadas em disco. São disso exemplo Moondog, um tema do álbum Jordan (The Comeback) que os Prefab Sprout lançaram em 1990, uma interpretação de Synchronicity #2 pelo Kronos Quartet em 1997 ou uma utilização de um sample de Bird’s Lament por Mr. Scruff em Get The Move On, do álbum Keep it Unreal, lançado em 1999. E em 1998, no Japão, surgia o tributo Trees Against The Sky . Jens Lekman, Antony & The Johnsons ou Pink Martini assinaram versões desde então, levando a sua música a novas dimensões de som e a novos públicos.

Em 2007 Robert Scotto lançou Moondog – The Viking of 6th Avenue, biografia com Prefácio por Philip Glass. Neste momento, a realizadora Holly Elson ultima a montagem de um documentário sobre Moondog que deverá começar a chegar aos festivais de cinema no final deste ano. Moondog não está esquecido.

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