‘Ummagumma’: o todo vale mais do que a soma das partes
Texto: NUNO GALOPIM
Apesar do esforço de demanda registado em A Saucerful of Secrets (1968) e da procura de caminhos de proximidade ainda maior entre a música e as imagens que acompanhou a criação da banda sonora do filme More (1969) de Barbet Schroeder, o quarto álbum dos Pink Floyd acabaria por traduzir mais um episódio de transição, encerrando contudo com a chegada ao fim de década de 60 os ecos de um primeiro ciclo e das suas mais imediatas sequelas. A década de 70 entraria com o primeiro álbum de estúdio integralmente pensado sem qualquer relação com a presença de Syd Barrett nesse espaço de trabalho, ao mesmo tempo que o antigo vocalista e principal compositor do grupo se estreava a solo com The Madcap Laughs. Ummagumma, o álbum que lançam na reta final de 1969 é, mais do que desse episódio de transição, um espaço de coexistência de planos de trabalho, propondo o alinhamento deste disco (duplo) um retrato de palco – naquele que foi assim o primeiro registo ao vivo oficial do grupo – e um conjunto de olhares muito pessoais sobre os quatro elementos do line up do grupo após a saída de Syd Barrett.
O álbum ao vivo – que prefaz o disco 1 – junta temas gravados entre o Mothers Club em Birmingham e o Manchester College of Comerce em 1969, num alinhamento que recua aos dias do álbum de estreia com Astronomy Domine (de Syd Barrett), junta dois temas do álbum de 1968 – o que lhe dá título e o marcante Set The Controls For The Heart of the Sun – e ainda Careful With That Axe Eugene, que tinha originalmente surgido como lado B do single Point Me at the Sky, o terceiro da fase pós-Barrett, lançado em 1968.
Se este é um interessante olhar sobre o que era então a vida em palco dos Pink Floyd, já o disco “de estúdio” traduz uma ideia de fragmentação que, se por um lado é capaz de traduzir uma ideia interna de democracia, por outro deixou claro que a banda era mais forte no todo do que na mera soma das suas partes.
A ideia que comandou a construção deste “disco 2” conferia a cada um dos quatro elementos a metade de tempo de cada uma das faces, deixando a criação entregue a cada um deles. Richard Wright apresentou nas quatro partes da suite a que chamou Sysyphus um flirt com formas da música contemporânea, valorizando sobretudo a presença do piano. Entre Grandchester Meadows e Several Species of Furry Animals Gathered Together in a Cave and Grooving with a Pict, Roger Waters estabelece uma evidente vontade em pensar a canção como um corpo que carece de um cenário, nestes casos usando sons de pássaros para o desenhar. Da autoria de David Gilmour, as três partes de The Narrow Way são talvez as que mais fortemente estabelecem laços entre as demandas até aí registadas e os sinais de caminhos que os Pink Floyd teriam pela frente. Nick Mason encerra o alinhamento com o tríptico The Grand Vizir’s Garden Party, outro flirt com os terrenos da música contemporânea, explorando aqui sobretudo os sopros (em particular as flautas) e a percussão.
Apesar das boas críticas, dos resultados favoráveis nas vendas e da posterior transformação deste álbum numa peça de culto, Ummagumma foi, com o tempo, conhecendo um progressivo distanciamento dos músicos, que o acabariam por tomar essencialmente com uma experiência nem sempre com os melhores resultados. Convenhamos que tinham razão.
O álbum Ummagumma acaba de ser reeditado em vinil duplo de 180 gramas, como parte de uma campanha, em curso, de lançamentos da discografia dos Pink Floyd.
Deixe uma Resposta