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NOS Alive 2016 (dia 3): O calor do Arizona antes das festas de sábado à noite

Texto: NUNO GALOPIM

Ao terceiro dia os Arcade Fire eram os mais esperados e, sem surpresa, cumpriram a promessa. Mas as atuações dos Calexico e do projeto Mirror People moram também entre as melhores desta reta final do festival.

Foto: Arlindo Camacho

Passei há uns anos por Tuscon, no Arizona. Há uns anos valentes… No meio de quase nada, com Phoenix a umas horas de estrada e o Grande Canyon e a Cratera do Meteoro (os grandes pólos turísticos da região) ainda mais a norte, Tucson é um pouco como aquelas velhas cidades do faroeste, mas que da rua original – com o saloon, o banco e o alpendre sob o qual dormita o xerife – cresceu numa rede geométrica de ruas, mas sem fazer esquecer que o deserto está logo ali… Há montanhas por perto, mas é da imensidão povoada a grandes cactos e calor que vive a paisagem. E, pormenor bem importante, com o México ali ao virar da esquina. Ao fim da tarde de sábado, algures a meio da atuação dos Calexico, o calor – do ar e da plateia – e aquela banda sonora irresistível faziam Joey Burns, o vocalista, confessar que o momento o estava a fazer sentir como se estivesse em Tucson… E, se fechássemos os olhos, o ar quente à nossa volta e a música que saía do palco, podiam sugerir essa ilusão. Fazendo, pela imaginação, uma aplicação daquele conceito que Frank Herbert levou a Dune – o da possibilidade da viagem sem que o movimento fosse necessário – por pouco mais de uma hora pudemos sonhar que estávamos no sul do Arizona, com o México ali mesmo na linha do horizonte…

Podiam ter sido um horário e um lugar ingratos para uma música que não é de todo coisa de multidões. Mas a tarde quente e o aconchego (entre muitos) que de facto se consegue estabelecer em volta do palco Heineken assegurou um cenário convidativo. E, com os temperos tex mex bem evidentes do mais recente álbum – o muito recomendável Edge of The Sun (de 2015) por mote, a atuação dos Calexico foi, para quem ali esteve, certamente um dos momentos altos desta edição do festival.

Há um sentido de verdade de quem pisa o chão sobre o qual caminha todos os dias a acompanhar as caminhadas que, disco após disco, os Calexico têm vindo a trilhar. E mesmo tendo ocasionalmente aberto espaço a breves flirts mais incaracterísticos em solos próximos das matrizes do rock, foi entre blues assombrados, brisas western e as muitas cores e sabores latinos que lhes chegam de latitudes mais a sul que os Calexico encontraram um alinhamento que serviu não só o momento do (re)encontro com velhos admiradores como serviu de belo prato de degustação para os que com eles contactavam pela primeira vez. E ao som da irresistível Cumbia de Donde (do último álbum), de uma versão de Alone Again Or (dos Love) e de memórias-chave da sua obra como Crystal Frontier e Guero Canelo – em exuberante tom festivo – o palco viveu um festim (para o qual muito contribuíram os metais e a pulsação do contrabaixo) que fez ali o perfeito fim de tarde.

Como não se imagina um sábado à noite sem a febre da dança – como manda o velho cliché – o cair da noite abriu várias frentes para vários gostos. Optei por visitar o palco Clubbing, onde o projeto Mirror People mostrou quão sólida é em palco uma ideia que poderia esgotar-se numa pista de dança. Com um alinhamento pensado num contínuo, sabendo contudo alternar as cadências e pulsações dos ritmos e as cores dos sons – evitando assim aquele tom de mais-do-mesmo que muitas vezes cruza os horizontes de DJs fechados numa mesma dimensão – o diálogo entre as electrónicas, o baixo e a bateria (aqui alimentando a carne e osso a secção rítmica) transformou o espaço em frente ao palco num terreiro de dança. A música traduz ecos de várias vivências, rotas e destinos, das heranças primordiais dos primeiros inventores do trabalho nestas frentes a espaços da house, electro e arredores. A voz (e a presença em palco) de Maria do Rosário alargaram a paleta de sons e amplificaram a experiência de palco a jogos de afinidades com o seu registo mais clássico. E no fim, feitas as contas, esteve ali um dos momentos da noite.

A notória enchente que se fazia sentir já desde o fim da tarde e que fazia do espaço em frente ao palco principal um alargado terreno de sit-in ali pelas dez e tal da noite, não escondia por quem ali estava. E quando os Arcade Fire entram em palco ninguém escondeu o facto. A exuberante carga festiva, o aparente caos arrumado que levam ao palco, faz de cada atuação do coletivo canadiano um momento de comunhão entre os dois lados do palco. Partilhando energias, sugeridas pelas canções e pela entrega física com que os músicos as projetam para a plateia.

O alinhamento foi diferente do que tinham apresentado há uns dois anos no Rock in Rio, refreando a quantidade de canções do mais recente Reflektor – por mim podiam ter tocado mais umas desse disco, é verdade – e acentuando a vontade em resgatar memórias, concentrando ecos de The Suburbs no início da atuação e deixando as canções do já clássico álbum de estreia mais para o fim. Isto sem esquecer Neon Bible, fazendo desta noite um retrato da sua história até aqui…

Apesar de todos os argumentos (e entusiasmos), o concerto deixou-me todavia a pensar sobre a duração atual dos ciclos discográficos. Numa idade em que são as digressões e os palcos o espaço de trabalho dos músicos, não se fazem mais discos ao ritmo de outros tempos… Bowie, uma referência maior para os Arcade Fire, editou pelo menos um disco por ano entre 1969 e 1980… E, antes, chegou mesmo a haver ritmos para dois álbuns por ano. Porque não fazem os músicos mais temas novos para ir ocasionalmente apresentando ao vivo? Ou só se chama a criatividade – ou a música – na hora de reentrar em estúdio, três, quatro ou cinco anos depois?

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