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Os golpes de estado vistos por Tintin

Texto: NUNO GALOPIM

A ficção nasce dos ecos da realidade. Em alguns dos livros de aventuras de Tintin o seu criador, Hergé, retratou golpes de estado, uns bem sucedidos, outros falhados. Um tema na ordem do dia em 2016, certo?

Na véspera do dia de São Vladimiro, no qual pede a tradição que o rei da Sildávia exiba publicamente o cetro que é símbolo maior do seu poder, uma conspiração é desmontada. No bolso de um dos conspiradores estava uma folha escrita com instruções para a tomada de poder, definida por Müsstler, o líder do partido A Guarda de Aço. Uma semana depois de ter eclodido na Turquia uma sublevação que, apesar de dominada no dia seguinte, tem conhecido repercussões diárias nesse país que habita entre solo europeu e asiático, a história desta tentativa abortada de golpe de estado na nação ficcionada que Hergé criou em finais dos anos 30 para ali levar mais uma aventura de Tintin – à qual chamou O Cetro de Ottokar – pode ser leitura para nos lembrar quantas vezes a ficção não retratou já histórias de tomadas do poder (umas bem sucedidas, outras nem por isso), sendo curioso verificar como, por vezes, destas tramas, nomes e personagens inventados, surgem casos que ressoam nas figuras e factos da vida real. De resto, se o nome citado – o do líder Müsstler – evoca uma clara alusão aos de Mussolini e Hitler, já o nome do seu partido não parece muito distante daquele que tem colocado a extrema direita grega nos noticiários nos mais recentes ciclos eleitorais e não estará muito longe da ideia de “lei e ordem” que, tantos anos depois de Nixon, parece estar a ter nova vida (mais imprevisível ainda) através da candidatura de Donald Trump à presidência dos EUA.

Uma recente edição especial do Le Point dedicada aos golpes de estado e grandes complots da história, apresenta num dos seus textos uma observação sobre como o universo de Tintin refletiu sobre a sede do poder. O Cetro de Ottokar (1939) é essencialmente a história de uma tentativa de derrube de um rei através do roubo de um símbolo, a lei prevendo nestes casos a sua abdicação… E convenhamos que também não é estranha a estes nossos tempos a ideia da utilização de uma fundamentação constitucional para afastar um estadista e colocar outra figura no seu lugar.

O Cetro de Ottokar não é contudo a única das aventuras de Tintim em que assistimos a tentativas de assalto ao poder. Em Tintin no País do Ouro Negro (1950) parte da trama foca os planos de derrube de um emir por um xeque seu rival, que conta com o apoio de uma petrolífera. Esta ligação dos poderes económicos aos líderes políticos está também patente entre os livros O Ídolo Roubado (1937) e, mais ainda, em Tintin e os Pícaros (1976), pelos quais assistimos à troca pendular do poder entre o General Alcazar e o Coronel Tapioca, parodiando através do estado fictício de São Teodoro, um período de golpes de estado e ditaduras militares em países da América Latina.


Prancha de “Tintin e os Pícaros”

Dadas as pistas, nada como reencontrar as páginas destes álbuns. Há sempre motivos para nos conduzir a reencontros com os livros de Tintin.

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