Ao serviço da elegância
Texto: NUNO GALOPIM
Na alvorada do século era um dos visionários que, no presente (de então), sonhavam o futuro escutando pistas no passado vivido no início dos oitentas. Canadiano, músico, DJ e produtor, Tiga deixou a sua marca no movimento electroclash com uma versão de Sunglasses at Night (um original esquecido de um não muito mais popular Corey Heart). Ao contrário de muitos outros peões do mesmo movimento (que, sem exceção, foi coisa intensa mas de curta duração), Tiga procurou sobreviver ao momento trilhando o seu caminho, entre máxis e antologias com DJ sets, assinalando finalmente, em 2006, com o promissor álbum Sexor, a expressão da conquista de um patamar de maior perenidade. Três anos depois, Ciao! (que continha no alinhamento o irresistível Shoes) não repetia a mesma solidez, espelhando a sucessão de singles que se seguiram uma série de momentos, uns mais inspirados, outros apenas capazes de assegurar uma lógica de continuidade (como quem diz “ainda estou por cá”). E a verdade é que, num tempo de transformação dos DJ em estrelas de dimensão pop, Tiga – que tinha estatuto para desenhar um salto maior – optou por manter-se fiel a uma relação com o electro e o tecno, prosseguindo a sua carreira por caminhos mais fiéis às suas demandas do que a um eventual flirt com mais altos voos.
Sete anos depois, o seu novo álbum No Fantasy Required (título possivelmente inspirado no clássico de Phil Collins No Jacket Required) apresenta o sucesso de Sexor que Ciao! não soube ser. Tal como no álbum de estreia de há dez anos, Tiga promove aqui um encontro entre as suas heranças tecno e electro com o melodismo e mesmo a forma da canção pop, encontrando um jogo de balanços que o alinhamento suporta melhor do que qualquer dos seus discos até aqui. Se bem que junte alguns dos seus singles lançados nos últimos anos – nomeadamente Plush, Don’t Break My Heart, Bugatti (uma variação sobre a ideia condutora do seu próprio Shoes) ou Planet E –, o álbum promove a construção de um alinhamento que define um caminho de diálogo permanente entre a pop e a dança. E, se em Planet E recorda ecos do som que projetos como LFO ou Altern 8 ensaiavam na tecno do início dos anos 90, já em Having So Much Fun exibe mais um mergulho por memórias new wave, desta vez evocando (e transformando) Lucky Number de Lene Lovich. Nas entrelinhas há sempre planos que sugerem espaços para memórias, entre elas as dos Kraftwerk (como se nota nos cenários sobre os quais faz evoluir a canção que dá título ao disco e que é um dos seus melhores momentos).
Talvez não haja entre o alinhamento de No Fantasy Required pérolas maiores como as que, com Pleasure from the Bass, You’re Gonna Want Me ou Shoes, nos deu alguns singles tão irresistivelmente dançáveis. Mas, como um todo, No Fantasy Required é talvez o mais sólido dos três álbuns de estúdio que Tiga já nos deu a escutar… Aos 41, juntando elegância pop e o know-how de quem sabe desafiar as pernas à dança, eis que nasce aqui um belo exemplo de como estas verdades podem andar de mãos dadas com bons resultados.
Tiga
“No Fantasy Required”
Counter
★★★★
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