Os dez melhores singles de Madonna
Seleção e textos: NUNO GALOPIM
Escolher dez canções de Madonna entre as muitas que já levou ao formato de single desde inícios da década de 80 não é tarefa fácil. E implica, já que um Top 10 se faz de uma escolha de apenas dez canções, que muitas fiquem de fora. E assim foi.
Como todas as listas de preferência esta nasce de uma escolha. É pessoal. Mas transmissível.
Traduz um gosto e vivências, naturalmente refletindo alguns clássicos que fizeram êxitos à escala global, mas também outras escolhas que, mesmo longe do estatuto de celebridade planetária, ajudaram a construir episódios marcantes na sua discografia… E assim sendo…
1. “Like a Prayer” (1989)
Já havia sinais anteriores, nomeadamente no álbum True Blue (1986), onde canções como Live To Tell ou até mesmo Papa Don’t Preach davam sinais de uma atitude diferente sobre o que, até então, era uma agenda temática essencialmente festiva e juvenil na obra de uma cantora em tempo de afirmação. Mas é em 1989, quando chega o momento de apresentar o seu quarto álbum de estúdio (e o último da década que a apresentara globalmente e fizera uma figura de primeiro plano no panorama da música pop) que Madonna deixa claro que a rapariga dá lugar à mulher. E o que poderia ser uma carreira mais breve e de impacte na época, tinha afinal pernas para ir bem mais longe… Escolhido como single de avanço para um novo álbum (que nos daria a escutar ainda peças históricas como Express Yourself, Cherish ou um dueto, hoje algo esquecido, com Prince) ao qual dava nome, Like a Prayer é o primeiro single do resto da vida de Madonna. É uma canção pop. Mas, mais do que qualquer outra das suas composições até então, procura ir a lugares antes não visitados. É claro que tinha já havido um flirt com outras músicas, como por exemplo em La Isla Bonita, em regime latino. Mas a assimilação do gospel numa matriz pop com alma funk na pulsação rítmica não se revelava apenas uma figura de estilo. Era cenário para uma reflexão sobre a religião e os seus valores, tendo o teledisco mostrado depois uma primeira abordagem a iconografias que levantariam frentes de controvérsia (e a boa arte faz sempre isso, certo?).
2. “Frozen” (1998)
O filme Um Chá no Deserto (no original The Sheltering Sky) de Bernardo Bertolucci, habita entre as memórias mais antigas da canção que, em inícios de 1998, seria chamada a apresentar aquele que é o melhor de todos os álbuns da discografia de Madonna. Interessada em explorar os elementos de exotismo e romantismo que passam por esta narrativa com geografia magrebina, Madonna entregou essas coordenadas a Patrick Leonard, co-autor de Frozen, que ganharia forma através da visão do produtor William Orbit, junto de quem a cantora encontrou o parceiro ideal para definir um regresso aos discos após a pausa de quatro anos que se seguira a Bedtime Stories durante a qual agendara algum tempo para o seu trabalho no cinema (Evita é o episódio mais significativo desse período) mas dedicara sobretudo atenção a espaços da sua vida privada, numa altura em que não só foi mãe pela primeira vez mas encontrou também uma relação diferente com a transcendência. Frozen seria a escolha certa para um álbum que traduziria o estado de alma com que chegou ao final dos anos 90, num conjunto de canções que, pelo esforço de William Orbit, definiram também uma outra forma de abordar as electrónicas. Conciliando uma cenografia orquestral com o apelo rítmico tribal desejado e toda um emolduramento electrónico elegante e contemporâneo, Frozen não podia ter sido melhor cartão para Ray of Light. E deu a Madonna uma dos seus maiores clássicos, magnificamente acompanhado por um teledisco de Chris Cunningham.
3. “Into The Groove” (1985)
Inicialmente criada com outro destino em mente, Into The Groove, composta em parceria com Stephen Bray (elemento dos Breakfast Club e um dos mais importantes colaboradores da cantora nos anos 80) acabou na banda sonora de Desesperadamente à Procura de Susana (1985), de Susana Seidelman, o filme que assinalou a estreia de Madonna no grande ecrã, à frente de um elenco no qual partilhava o protagonismo com Rosanna Arquette. Lançada como single em 1985, ainda em tempo de vida ativa do álbum Like a Virgin (do qual seria ainda extraído Dress You Up pouco depois), a canção não só lhe daria o seu segundo maior êxito global até à data como lhe valeria, da crítica, e merecidamente, alguns dos maiores elogios até então obtidos por um disco seu. Tal como as canções do álbum de estreia – Madonna (1983) – e algumas do segundo LP, Into The Groove é um pequeno monumento pop firmamente enraizado em tendências que então marcavam a música de dança que nascia nas noites de Nova Iorque, revelando sobretudo um relacionamento com as formas originais do electro. A canção, um festivo hino à dança, que surgiria numa remistura longa por Sheep Pettibone no álbum You Can Dance (1987) foi acompanhada na altura por um teledisco feito de fragmentos do filme ao qual a canção nasceu associada.
4. “Justify My Love” (1991)
Nem todos os grandes episódios de uma discografia se fazem no formato de álbum. De resto, bem anterior ao advento do LP, a ideia do disco com uma gravação de cada lado há muito que nos habituou à ideia do valor da canção como célula estrutural da música popular. A carreira de Madonna nos singles de Madonna fez-se, como tantas outras nascidas depois da imposição do álbum como espaço de protagonismo maior, de canções extraídas dos LP que rodavam também a 45 rotações. Mas a sua discografia inclui variados exemplos de singles que não nasceram associados a álbuns. E de todos eles este é o melhor. Corresponde na verdade a um episódio de transição entre as ideias assimiladas na reta final dos anos 80 (com uma nova abordagem a emergentes formas da música de dança) e o trabalho de reflexão sobre as heranças da house e do hip hop que emergiria pouco depois em Erotica (1992). Canção composta por Lenny Kravitz e Ingrid Chavez (que na altura editava o seu primeiro álbum na Paisley Park), Justify My Love traduz esses encontros de ideias na matriz de uma canção que, juntamente com peças contemporâneas de nomes como os Beloved, Pet Shop Boys ou Deee-Lite, ajudou a definir novas formas para a linguagem pop. A voz era falada e não cantada, servindo a sugestão de um ambiente criado pelas electrónicas e batidas. Pela letra passam ideias e imagens sobre a sexualidade que correspondem a um quadro maior que Madonna começava a desenhar (e que teria expressão maior no álbum Erotica e no livro Sex). O teledisco foi realizado por Jean Baptiste Mondino e é um dos mais cinematográficos da videografia de Madonna.
5. “Vogue” (1990)
Há canções que ganham uma dimensão tal que, muitas vezes, quase esquecemos onde está a sua origem. E no caso de Vogue esse origem está no álbum I’m Breathless, um acontecimento relativamente menor (apesar dos bons instantes que o alinhamento guarda), nascido como banda sonora, ou antes, um conjunto de temas inspirados pelo filme Dick Tracy, de Warren Beatty, em cujo elenco a presença de Madonna era uma das forças maiores. Expressão evidente da assimilação dos mais recentes ensinamentos da música house, a canção, assinada por Madonna e Sheep Pettibone, foi pensada como um hino hedonista de desafio à dança e traduz uma das mais marcantes expressões com projeção mainstream de um fenómeno nascido nos espaços mais underground da cultura queer de Nova Iorque ainda em finais dos anos 70: o vogueing. Apesar de explorado pouco antes por Malcolm McLaren no álbum Waltz Darling (1989), foi através desta canção de Madonna e do teledisco (realizado por David Fincher) apresentava coreografias criadas por dois elementos da “casa” Xtravaganza – uma das mais conceituadas no universo do vogueing – que esta forma de dançar ganhou visibilidade global na alvorada dos anos 90.
6. “Material Girl” (1984)
O segundo single extraído do álbum Like a Virgin (1984) ajudou a cimentar o estatuto de Madonna como um ícone, facto de facto invulgar e surpreendente perante uma carreira ainda relativamente curta e em tempo de afirmação. Se a canção que dava título ao seu segundo álbum inscrevia de facto não só um hino no calendário pop dos anos 80, como aprofundava (mais do que qualquer telediscos anteriores) a força de uma imagem, a Material Girl coube, algumas semanas mais adiante, o golpe de misericórdia que acabou com as dúvidas dos ainda eventualmente céticos. A canção é um manifesto pop pelo materialismo, apresentada contudo numa forma de provocação e choque que herda ensinamentos da “escola” Bowie que tinha abalado valores instituídos. Apesar da clara evocação da figura icónica de Marilyn Monroe num teledisco que cita uma sequência histórica de Os Homens Preferem as Loiras, de Howard Hawks (1953), a pose de Madonna (e as palavras que a definem) não sugere uma afirmação materialista da mulher-objeto, mas apresenta antes um programa de identidade de género e poder. Aos poucos, um discurso (que teria muitas descendências) começava ali a nascer.
7. “Bedtime Story” (1994)
Depois das experiências de assimilação da cultura house em Erotica, Madonna projetou uma abordagem de diálogo com heranças dos universos do R&B, o que implicou desde logo uma abertura ao trabalho com outros novos colaboradores. Ao álbum chamou Bedtime Stories, nele projetando um alinhamento de facto votado a estas demandas, mas mesmo assim de horizontes largos e aberto a outros rumos. Na verdade, encontramos entre uma das canções do álbum um tema que estabelece um regime de evolução na continuidade entre o que vinha de Erotica e o que se lhe seguiu mais adiante. Essa canção, que toma o título do álbum, embora no singular, foi composta por Björk, Marius de Vries e Nelee Hooper, e assinala um momento de reencontro com formas da house (num flirt breve com regimes ambient e trance) e do trabalho com as novas electrónicas. Uma das expressões mais memoráveis desta canção chegou na forma do teledisco que a acompanhou. Realizado por Mark Romanek, integra hoje a coleção do MoMA, em Nova Iorque.
8. “Express Yourself” (1989)
Reforçando as sugestões (musicais, mas também políticas) do single com o título do seu álbum de 1989, Express Yourself, que se lhe seguiu, foi outra peça central no programa que apresentou Like A Prayer, disco através do qual deixou evidente que a sua carreira não se esgotaria na relação criada com o público mais jovem que a elevara ao estatuto global nos oitentas. A canção é um hino identitário (que ainda hoje ressoa pungente), contribuindo sobretudo para uma valorização da mulher, clamando por uma voz e estatuto num plano de igualdade de género. É também ao escutar as palavras que encontramos, na essência do retrato, uma contradição (e atenção que mudar de opinião é também saber evoluir) face ao retrato que anos antes havia proposto em Material Girl. A canção apresenta, na sua forma original, um diálogo entre a pop e heranças funk. As remisturas explorariam porém uma atenção mais evidente para com a emergente cultura house, abrindo portas a caminhos que Madonna percorreria nos primeiros tempos dos anos 90. O teledisco representou um momento de colaboração histórica com David Fincher, refletindo não só ecos da memória de Metropolis de Fritz Lang, como abrindo sugestões a ideias que seriam exploradas no palco da Blonde Ambition Tour, que se seguiria.
9. “Music” (2000)
Depois de uma triunfante década de 90, onde tanto somou novos êxitos como algumas das suas mais marcantes ousadias artísticas, Madonna abriu a sua discografia “millenial” com um single no qual apresentava uma versão de American Pie que assinalaria o final de uma primeira etapa de colaboração com o produtor William Orbit. Sem uma agenda ideal para embarcar numa nova digressão (por razões que passam pela vida familiar e por compromissos no cinema) concentrou então atenções na criação de um novo disco. E numa maqueta que lhe fora dar a escutar para uma eventual assinatura de um artista francês pela sua editora, a Maverick, Madonna encontrou o parceiro para a ideia que queria materializar. E assim, com Mirwais Ahmadzaï, fez de Music um novo episódio de referência na sua já longa história de diálogos entre a pop e a música de dança, desta vez incorporando elementos electro e entrando em clara sintonia com um foco de atenções sobre as electrónicas made in France que, em finais dos anos 90, tinham cativado adeptos através de discos de nomes como os Daft Punk, Air ou Etienne de Crécy. Music é também um hino que apela ao poder de união que a música pode exercer sobre as pessoas. Para o teledisco, onde contracena com a personagem de Ali G, voltou a chamar Jonas Akerlund.
10. “The Power of Goodbye” (1998)
Daquele que é o melhor álbum da já extensa discografia de Madonna – Ray of Light, editado em 1998 – este foi o quarto single, sucedendo aí a Frozen, a canção-título e Drowned World/Substitute For Love. Característica de um tempo de labor na construção de uma pop electrónica delicada e elaborada (que muito deve à colaboração com o produtor William Orbit), a canção traduz ainda ecos de uma etapa na vida da cantora em que a maternidade (recente) e a descoberta de outros valores espirituais operaram importantes mudanças em si. Com arranjos de cordas de Craig Armstrong este não é um dos clássicos mais óbvios da discografia em single. Mas foi, na altura, uma das canções mais elogiadas nos textos que assinalaram a edição do álbum.
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