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As músicas, a controvérsia e as fãs histéricas

Texto: RUI ALVES DE SOUSA

“Eight Days a Week” é um documentário que traça o percurso dos Beatles em digressão por um mundo em constantes convulsões sociais.

Através de uma ordem cronológica extremamente linear, que entrelaça depoimentos dos membros da banda, dos profissionais que estiveram presentes nas várias digressões e de algumas celebridades que cresceram com a bealtemania, Eight Days a Week viaja pelos primeiros anos dos Beatles, e não fala só nos concertos, mas também nos álbuns, singles, filmes, actuações na televisão e todos os restantes pontos fundamentais que preenchem o curto período de tempo em que os Beatles andaram em tournée.

A pergunta impõe-se, e está presente na maioria dos textos que se têm escrito sobre Eight Days a Week: com um acervo tão grande de informação disponibilizado por toda a parte, e depois de tantos documentários e biografias que exploraram até ao tutano o universo dos Beatles, o que é que este filme pode acrescentar a tudo o que já sabíamos, de cor e salteado?

A resposta é simples: nada. Mas o documentário de Ron Howard não tem mesmo a ambição de nos dar um novo lado dos bastidores dos primeiros anos dos fab four. Nada do que nos é mostrado não cheira a novidade. Howard volta pela milionésima vez à história dos Beatles centrando-se mais nos aspectos que rodearam os concertos à volta do mundo, falando da ascensão meteórica de Harrison, Lennon, McCartney e Starr, primeiro na Europa, depois o triunfo nos EUA e no resto do planeta, e da relação dos fãs com os seus ídolos.

Outra coisa interessante na biografia dos Beatles e que, de facto, é bem explorada no filme, é a ligação contínua da evolução do grupo com os acontecimentos que os rodearam. Em Eight Days a Week desfilam notícias como o assassínio de Kennedy e Luther King Jr., e notamos a importância do crescente domínio da televisão na vida doméstica, que possibilitou um dos momentos de maior sucesso da banda com a participação no programa de Ed Sullivan. É nos sixties que há também o advento de novas correntes de cinema, o que concretizou a feitura de um filme tão marcante como A Hard Day’s Night.

No documentário, vemos estes quatro rapazes crescerem e passarem de quatro super-estrelas pop, a quatro indivíduos que queriam mais deixar a sua marca no mundo como artistas verdadeiramente excepcionais do que como um “simples” mega fenómeno de massas. Os filhos da geração que viveu a II Guerra Mundial, que cresceram nos destroços visíveis nas ruas de Liverpool nos primeiros anos que se sucederam ao conflito, popularizaram-se num mundo com outros medos e ameaças mundiais – e que, entre acontecimentos trágicos e chocantes, ganharam um lugar na nossa História recente, por terem atingido uma popularidade tão inimaginável, tanto para os padrões da época como ainda mais para os da atualidade – num mundo fragmentado pela mixórdia de alternativas dadas pela internet, é difícil voltarmos a encontrar um grupo com tanto poder no mundo como os Beatles.

Mas ao gerarem um fenómeno tão forte, os Beatles também se tornaram num perigo para muitas elites e grupos sociais. Houve sempre quem os chamasse de uma má influência para a juventude, e é divertido ver as reacções tão diversas como extremas, que as canções mais simplórias e “popularuchas” (mas não menos originais e “orelhudas”) provocavam nos seus ouvintes. Choros, acidentes, gritaria e uma constante energia que era mais da responsabilidade do público dos concertos do que dos artistas. E por cá também não faltaram protestos – basta pensar que tiveram a brilhante ideia de traduzir o título do primeiro filme dos Beatles por Os Quatro Cabeleiras do Após-Calipso

Ligados ao mundo 24 sobre 24 horas naqueles primeiros tempos cansativos, os Beatles viveram uma época e influenciaram acontecimentos. Mas Eight Days a Week é mais o retrato sociológico do caos provocado pelos “inocentes” admiradores do grupo, com direito a deliciosos pormenores a cada instante, do que uma análise do impacto da banda na sociedade. O documentário é também a dissecação da ruptura dessa primeira fase de vida dos Beatles, e que possibilitou muito do que de genial se seguiu (e que o filme já não explora).

Se Eight Days a Week não nos proporciona nenhuma informação que se possa designar como “inédita”, há no entanto, algo de verdadeiramente único para se descobrir aqui. Esse factor relevante encontra-se nas imagens utilizadas para a montagem do filme. Juntando uma série de arquivos diferentes (desde registos televisivos até às câmaras amadoras dos fãs), é criada uma visão muito dinâmica, e sempre cativante, da relação dos Beatles com o mundo mediático que estava a construir a fama mundial do quarteto. Eight Days a Week dá, pelo menos, uma maior diversidade de perspectivas sobre os acontecimentos. É impressionante como ganhamos uma maior proximidade com a banda através desta mistura de vários registos, e que é sempre notória, pela óbvia diferença da qualidade dos vários materiais.

Vale a pena ficar na sala até ao fim dos créditos, porque há um extra à espera dos mais pacientes: um maravilhoso registo de 30 minutos de um concerto dos Beatles no Shea Stadium, apresentado pelo próprio Ed Sullivan. É uma pérola que vale não só pela actuação do quarteto, mas por fornecer uma dimensão ainda mais complexa do tal lado sociológico da beatlemania. Um filme-concerto que é mais um documentário algo dramático sobre os excessos provocados pela histeria – e acima de tudo, um precioso documento histórico.

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