A caça ao tesouro da era virtual
Texto: NUNO GALOPIM
Há filmes e outras narrativas de ficção (sejam elas contos, novelas ou romances) nas quais os contextos revelam potencialidades a explorar maiores do que as que as histórias nos levam depois a acompanhar… Ready Player One, que entre nós teve já tradução pela Presença, juntando ao título o subtítulo Jogador 1, é uma proposta de ficção científica que começa por nos colocar num futuro não muito distante, com condimentação distópica evidente, apresentando-nos não só um protagonista que vive num trailer park (no qual os atrelados estão empilhadas verticalmente em vez de arrumados no chão, como manda a velha tradição dos parques de campismo) como uma sociedade que tem no Oasis, um universo virtual de acesso online (que exige a cada utente a colocação de um visor e luvas) e que representa na verdade o que resta de estável num mundo devastado pelo aquecimento global, o colapso financeiro e uma crise de pobreza de dimensões catastróficas. O ponto de partida é entusiasmante… E fruto de algumas das grandes preocupações do nosso tempo.
Wade, o protagonista, faz do seu dia a dia um espaço de fuga online, diluindo-se nesse espaço de realidade virtual no qual a vida de tantos outros conhece outras possibilidades do que as que o mundo real lhes está a oferecer. É órfão e tem um computador escondido num lugar onde se refugia e do qual parte para uma realidade paralela no Oasis, o universo virtual que exige a utilização de visor e luvas e no qual o protagonista se movimenta na forma de Perzival, um Avatar (note-se no nome uma herança direta do imaginário das velhas lendas dos Cavaleiros da Távola Redonda). E é, ali, um avatar com uma missão: a de encontrar um “estar egg” que o criador daquele mundo virtual escondeu algures no Oasis. A missão leva-o a enfrentar situações e personagens (segundo lógicas características do universo dos jogos de computador), cruzando-se entre os desafios o encontro de outras figuras que, como ele, usavam avatares para esconder as suas identidades reais e, a dada altura, o seu trajeto desemboca numa trama que acrescenta valores de perigo como mandam as técnicas do thriller…
Há um dado curioso em cena, que é o facto de, pela sua história de vida, o criador do Oasis ter sido moldado pela cultura popular dos anos 80, o que faz do domínio sobre os seus ícones e feitos (há um momento em que se escuta The Wild Boys dos Duran Duran) uma condição necessária para conseguir prosseguir na busca pelo “easter egg”.
Imaginativo, o universo que acolhe a evolução da trama é, contudo, mais interessante do que a própria evolução da narrativa que, mesmo com alguns novos dados e reviravoltas, acaba frequentemente fechada entre desafios e demandas que dirão mais a quem gosta de jogos de vídeo do que ao leitor de ficção científica que não os tem na sua ementa de interesses.
Este é, contudo, um exemplo de literatura sci-fi capaz de traduzir a cultura gamer do nosso tempo. Pelo que não admira que, logo por ocasião da sua edição (em 2011), o texto tenha desde logo sido alvo de uma disputa entre editores (o que fez do então estreante Ernest Cline um nome no centro de muitas atenções). E que, pouco depois, tenha visto os seus direitos a serem adquiridos para uma adaptação do grande ecrã que, neste momento, está já em produção, sob direção de Steven Spielberg e que, com nomes como os de Tye Sheridan, Olivia Cooke, Ben Mendelsohn, Mark Rylance e Simon Pegg no elenco, deverá chegar às salas em 2018.
“Ready Player One – Jogador 1”, de Ernest Cline (415 páginas), está disponível entre nós, numa tradução de Miguel Romeira, publicada pela Editorial Presença.
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